Os primeiros poemas de Patti Smith

Patti Smith é uma das mais urgentes poetas e artistas do século XX. Conhecida como “poeta do punk”, ela atravessou nosso século desde o pós-guerra até os dias de hoje na busca de traduzir o desespero da vida e a falta de sentido do mundo. De poemas violentos, mas ao mesmo tempo, delicados na atenção do mundo, Patti é hoje, sem dúvida, um expoente da rara poesia que enfrenta o mundo de frente, sem medo das instituições e sem rabos presos com o poder.

O NotaTerapia separou 9 poemas de Patti Smith da primeira fase de sua vida. Vejam também, a seguir, Patti lendo um de seus poemas para entender o clima em que ela gostaria que eles fossem lidos e percebidos.

A tradução dos poemas é de Victor H Azevedo. Para entrar em contato, o facebook dele é: https://www.facebook.com/vctrhgz

Marianne Faithfull

“Eu nasci em Hampstead. Minha mãe não
gritava então eles não acreditaram que ela está
parindo. Mais tarde eu fui para escola num convento. Mais tarde
eu montei em couro. Mais tarde eu peguei algumas pílulas
para dormir. Eu precisava perder…”

                                                         M.F

Sétimo Céu

Ó Rafael. Anjo guardião. No amor e no crime
todas as coisas movem-se em setes. sete compartimentos
no coração. as sete elaboradas tentações.
sete demônios lançados sobre Maria Madalena prostituta
de Cristo. as sete maravilhosas viagens de Sinbad.
sin/bad*. E o número sete marcado para sempre
na fronte de Caim. O primeiro homem inspirado.
O pai do desejo e assassinato. Mas o dele não foi
o primeiro êxtase. Considere a mãe dele.
Eva praticou o crime da curiosidade. É como o ditado
diz: matou pela buceta. Uma maçã ruim estragou
o tiro inteiro. Mas tenha certeza que não foi a maçã.
Uma maçã parece com uma bunda. É a fruta dos maricas.
Deve de ter sido um tomate.
Ou melhor ainda. Uma manga.
Ela mordeu. Temos que culpa-la. abusar dela.
pobre doce puta. talvez haja mais para a história.
pense em Satã como algum garanhão.
talvez seus joelhos estivessem abertos.
cobras de satã no meio delas.
elas abrem mais.
cobras em suas coxas
esfregando-se  contra ela por um tempo
mais do que a árvore do conhecimento era sobre
ser comido… ela estremece seu primeiro estremecimento
prazer jardim do prazer
ela estava arrependida
somos sempre meninas
ela era uma boa leiga
só deus sabe

* sin/bad = numa tradução livre, pecado/ruim. resolvi deixar assim porque, puta merda, foda.  (N.do T.)

Há uma doçura
na sua pequena boca de menina
e as pérolas que você segura
na palma da sua mão
toda vez que você estende a mão
você quebra você fantasia
você está circuncisada
agonizada
flagelada
coroada
crucificada
perfurada quatro vezes
seu sagrado coração sangra
goteja e goteja mais
mulheres choram aos seus pés
doze homens te transformam
doze homens te desejam
(nuvens de amônia em suas axilas)
uma estrela do mar palpita na sua barriga
e as flechas te sacodem
te sacodem te sacodem
e os músculos do seu coração doem
um peixe bate em seu rosto
você rola você rola sobre
os pátios do santuário
em um vestido preto e vulgar
abençoe sua quente boca virgem
você poderia ser Judas
e o próprio Cristo
você poderia ser Maria Madalena
a única mulher
que fez o salvador chorar
ainda assim você puxaria mandrax para dentro
como a bolacha sagrada
deixe-me para o sono eterno
Mas não. Eu não deixarei você ir.
Eu não deixarei você ir. não.
Não deixe o mel escorrer
da sua doce doce caixa
não deixe as multidões corarem e ofegarem
enquanto você carrega a cruz
não deixe as meninas de flor te abanarem
atrás de um grande ataúde preto
não deixe as pérolas
desmoronarem desmoronarem
da sua pequena boca de garota.

reza

meias nos pés ou descalço
imensamente orgulhoso ou dobrado como amor
galho cadafalso
coveiro ou dançarina no vento
o mesmo vento ainda fedorento de porcos
rosa ou o pólen que faz uma tosse
cruel fantástico ao contrário de qualquer outra coisa

para ter nenhuma necessidade de aparato
de uma sala de cirurgia
para estar seguro de todos os danos corporais
para conhecer o amor sem exceção
para ser santo em qualquer forma

balada de um menino mal

ó eu era mal
não fazia o que deveria
mamãe me pegava com uma lambida
e me dizia para ser bom
quando eu era mal em dobro
ela me empurrava em um buraco
e cortava todos os meus dedos
e colocava eles numa tigela de dedos
minha mamãe me matou
meu papai entristeceu-se por mim
minha irmãzinha annalea
chorou debaixo de uma amendoeira

ó eu amei um carro
e quando eu me sentia triste
eu deitava no ford de papai
e me sentia bem
e você sabe que eu fiquei mal
roubei as calotas dos homens
e as vendia as mulheres
e roubava tudo de novo
e eu consegui um carro
um carro hudson hornet
e enrolei as senhoritas bonitas
e muitas vezes fui para longe
eu fui para chicago
eu fui para kalamazzoo
eu fui para nashville
nas auto-estradas eu voei
e fui para salinas
eu rodei até o mar
e as pessoas todas me censuraram
e apontaram para mim
elas diziam ai está um garoto mal
eu era um garoto muito mal
eles recolhiam suas filhas
eu ouvi o que eles diziam
afaste-se dele querida
porque esse garoto é mal
e embora estivesse bem
e ilumina os saques
não deslize para o lado dele
ele dirige na rota errada
porque ele é um garoto mal
minha mãe me matou
meu pai se entristeceu por mim
e minha irmãzinha annalea
chorou debaixo de uma amendoeira

e eu chorei em um carro estocado
eu capturei os ferro velhos
e eu acelerei através dos cânions
embora eu nunca tenha ido tão longe
dos mecânicos destruidores
eu cultuei esses homens
mas eles riram de mim, cara
eles me chamaram de filhinho da mamãe
meia-noite de segunda
duas da terça
bêbado de tequila
pensando em você, mãe
eu dirigi meu carro, mãe
destruir carros era minha arte
eu segurei uma foto sua, mãe
perto do meu coração
eu rodei de janelas fechadas
fazia noventa graus
a multidão estava gritando
estava gritando comigo
ela dizia que eu estava louco
verdadeiro motorista galinha
sem sentido
mas eu não podia os ouvir
não podia ver
para-choques quentes como anjos ardendo dentro de mim
eu acelerei no áspero vapor quente
eu rachei e rolei em seus pés
eu subi em chamas e rolei em um poço
onde você me pegou com um ferro de pneu
e me cobriu de merda
e eu poderia me levantar
mas a multidão gritou não
esse menino é mal
muito mal para viver na condicional
tão mal sua mão fatiou

bem eu vou terminar mais tarde

juramento
jesus morreu pelos pecados de alguém
mas não os meus
derretendo em um pote de ladrões
coringa em cima da minha luva
duro coração de pedra
meus pecados meus próprios
eu talho na minha própria palma
doce negro x
adão não rogou nenhum feitiço em mim
Eu abraço eva
e assumo toda a responsabilidade
por cada carteira que eu roubei
má e escorregadia
cada canção do johnny ace em que eu badalei
muito antes da igreja
a tornar limpa e direita
então cristo
estou te dando adeus
estou demitindo você esta noite
eu posso faz minha própria luz brilhar
e a escuridão também é igualmente boa
você ficou amarrado ao meu irmão
mas comigo eu desenho uma linha
você morreu pelos pecados de alguém
mas não os meus.

canção de trabalho

eu estava trabalhando muito
para mostrar ao mundo
o que eu poderia fazer
ó eu acho que
nunca sonhei
que eu teria
que girar o mundo
algumas fotografias
como eu amo rir
quando a multidão ri
enquanto o amor escorre pelo
teatro está cheio
mas ó bebê
quando a multidão vai para casa
e eu me viro
e eu percebo que estou só
eu não acredito, eu precisei
eu estava trabalhando duro
para mostrar ao mundo
o que eu poderia fazer
ó eu acho que
eu nunca sonhei
eu teria que
eu precisei
eu precisei
sacrificar
você

joana d’arc

eu me sinto
eu me sinto uma merda
eu preciso de
eu preciso de uma bebida
e nem mesmo vinagre
eu não quero morrer
eu me sinto uma aberração
não me deixe romper
eu não estava rompida
para ir embora virgem
eu quero minha cereja
esmagada homem
martelo amour
me ame
vive comigo
hora da morte
que inferno
hora da morte
que estou fazendo aqui
como acabei aqui
hora da morte
e eu me sinto tão livre
sinto como se fudesse
sinto tão livre
sinto como se corresse
não tenho cabelos
me pesando
corte tão perto
escalpo é cortado
parece com   m e r d a
hora da escuridão
e eu pareço com   m e r d a
hora da morte e eu me sinto livre
hora da morte e eu me sinto livre
carcereiro carcereiro
brinque com minha  b u c e t a
lamba minha pequena
isca numa dose de cabeça
pegue pegue
pegue o
pegue o guarda para
implore o guarda para
precise do guarda para
me colocar
pegue todos os guardas para me colocar
se todos os guardas pudessem me colocar
se um guarda pudesse me colocar
se um guarda pudesse me colocar
se um deus pudesse me colocar
se um
deus

um fogo de origem desconhecida
você está descontente
talvez eu devesse só parar de
ser você
um fogo de origem desconhecida
levou meu bebê embora
um fogo de origem desconhecida
levou meu bebê embora
varreu ela para cima e se foi
minha onda comprida
engoliu ela como o oceano
em um fogo grosso e cinza
a morte vem varrendo
pelo corredor
como o vestido das senhoras
a morte vem dirigindo
pela estrada
no seu melhor domingo
a morte vem dirigindo
a morte vem rastejando
a morte vem
eu não faço nada
a morte faz
deve haver algo
que persista
a morte me deixou doente e louca
porque esse fogo
levou meu bebê
para longe
ela me deixou tudo
ela me deixou todas as suas coisas

Fonte: http://guarita.tumblr.com/post/158600171470/uma-seleta-dos-primeiros-poemas-da-patti-smith

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