O Nascimento de Lucy Iordache, de Natália Alonso

Autora: Natália Alonso
Gênero: Vampiro
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 “E começaram os sete anos de fome, como José tinha predito. Houve fome em todas as terras, mas em todo Egito havia alimento.”
Gênesis 41:54

 Entre a origem e a gênese existe uma relação complexa e intrincada: origem é criação, é escolha. É questão de se olhar para o passado e dizer: “ali, naquele instante tudo começou”, enquanto que a gênese é uma narrativa cosmogônica, ou seja, que visa dar conta não só de si, mas do próprio estatuto de criação. Toda gênese é espontânea, de si para os outros, enquanto que a origem é questão de empoderamento, de marcar posição, de fincar o pé no chão e dizer: “agora eu existo.” O Nascimento de Lucy Iordache é um exemplo perfeito desta questão.

O Nascimento de Lucy Iordache, de Natália Alonso, é a sequência da obra anterior, Lucy Iordache – Sob Controle, e conta a história do passado da vampira Lucy desde seu nascimento, em 1431, em Valahia, na Romênia, passando pela sua conversão em vampira, e chegando até a sua primeira morte. Logo no começo do livro, acompanhamos o assassinato de sua mãe, acusada de bruxaria apenas por possuir alguns métodos proto-medicinais. Alguns anos depois, vivendo apenas com o pai, ela conhece Conde Vlad com quem, a partir de um momento, vai jantar todas as noites. Um dia, ela perde o pai e é Vlad quem a acolhe em seu castelo e a pede em casamento. No entanto, na noite de núpcias, o Conde se revela, transformando a inocente Lucy, com seus 25 anos de idade, no que ela jamais imaginou existir: uma vampira.
O livro faz um intenso passeio pelo passado de Lucy, como também, e isto é fascinante, aponta para uma série incursões em diversas outras obras da nossa literatura mundial. Jorge Luís Borges costumava dizer que seu trabalho se baseava, basicamente, em criar anacronismos, ou seja, ele ansiava por propor possibilidades de choques de tempos em que figuras que jamais poderiam se encontrar em um mundo material, pudessem habitar, nas obras, um mesmo espaço e tempo.

No caso, é justamente isso que faz Natália, ao colocar em um mesmo ambiente a Shiva – o deus/deusa hindu –; Conde Drácula, da consagrada obra de Bram Stoker; Dorian Gray e sua obsessão pela imortalidade (ao lado de seu amigo pintor Basil), criada por Oscar Wilde, Mefistófeles, a figura bem humorada das obras fáusticas que teve seu maior destaque pelas mãos de Goethe; Dr. Jekill e Mr. Hyde, da clássica obra de Stevenson sobre a dualidade humana; Henry Wotton, um dos grandes escritores da boemia e dos excessos que o corpo pode usufruir; e, por fim, Brutus, aquele que, em seu momento auge, foi o ouvinte da célebre frase “até tu”.

Todas essas referências, habitando o horizonte de expectativa dos leitores e o espaço de criação de Natalia, tornam O Nascimento de Lucy Iordache muito mais do que apenas um evento material, o aparecimento e a existência de um personagem, mas sim a sua inserção, sua aproximação ao hall das grandes figuras de nossa literatura. É neste sentido que, no começo do texto, afirmei a ideia de origem como sendo uma escolha, uma marcação de território: a existência de Lucy não se dá apenas por um gesto criador, mas sim na chave dupla em que ela foi criada: dos dentes do conto Drácula, em sua noite de núpcias e da invenção narrativa de Natalia Alonso.

O mais interessante disso, é que, ao destacarmos o lado criador das histórias, não podemos deixar de fora o fato de que, em toda força criadora há outra proporcionalmente destruidora. Este, pelo menos, é o ensinamento que tiramos do espelho de Dorian, da figura sombria de Hyde e do eterno sofrimento por ser obrigado a atravessar os tempos de Drácula. É que, ao criar, também nos tornamos parte desta energia destruidora, ou como diz o próprio Vlad:

“somos todos assassinos, desde o momento em que nascemos. Nós também matamos para comer, para viver, matamos em nome da Cruz, (…) eu apenas sou mais franco e me alimento do que mato também.”

Eis que, em O Nascimento de Lucy, com grande surpresa, vemos esta personagem feminina forte, de caráter irretocável, descobrindo suas forças e seus poderes, assim como suas limitações. Quem leu a obra anterior fica incrivelmente tocado por ver surgirem, aos poucos, todas as características que vemos na poderosa enóloga Myrian. No entanto, isto acontece porque, em seu passado, cinco séculos antes, ela precisou encarar o poder de Dorian que, se imortalizando, passou a ser uma espécie de sombra para Lucy. Lucy foi se tornando cada vez mais forte.

Enfim, o Nascimento de Lucy possui uma série de caminhos e trajetos e, pessoalmente, creio que todos eles são potencializados pela leitura da obra anterior, Lucy Iordache – Sob Controle. O domínio sobre a narrativa, a pesquisa intensa e a narrativa segura, fazem da obra um interessante exercício de recriação do universo e da tradição vampiresca, fazendo com que a novidade soe clássica e que o clássico não soe, em momento algum, antigo.

*Esta resenha é um publipost

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