Vermelho Monet (2022): a poesia do cinema em estado bruto de cores e amores

É bem possível que você não esteja preparado para a poesia deste filme. Eu não estava e fui totalmente solapado pela arte que Halder Gomes colocou em Vermelho Monet (2022). Pode parecer um clichê, mas este é daqueles filmes que quando se encerram a gente pensa: “isso é arte”. Pois vem comigo para fazermos uma viagem nesta poesia. 

Vermelho Monet, filme de 2022, mas que chega agora aos cinemas brasileiros, conta a história de Johannes Van Almeida, um pintor inspirado e genial que acabou de sair da prisão. Ele é conhecido por ser também um mestre da falsificação e um artista explorado pela negociante de arte Antoinette, interpretada pela estonteante Maria Fernanda Cândido. Ao lado dessa trama, temos também a paixão avassaladora de Antoinette pela jovem atriz internacional Florence Lizz, que vive uma crise de identidade diante de uma peça de teatro sobre a poeta Florbela Espanca.

Acontece que Johannes vive dois grandes percalços em sua vida: de um lado, sua esposa amada que sofreu uma paralisia e vive em cadeiras de rodas. A poética dos cuidados de Johannes, interpretação belíssima de Chico Diaz, principalmente nos banhos e na composição de sua ruiva amada, faz com que arte e atenção, neste caso, se aproximem, como se seu amor fosse também o reflexo estético daquilo que só a arte pode fazer. 

De outro lado, Johannes passa por um problema físico (ou psicológico) que só lhe permite ver o mundo em preto e branco. Com a visão borrada, e numa alegoria fortíssima, Halder Gomes nos coloca a questão: quem será que trará as cores de volta para os olhares de Johannes?

Assim temos a obsessão pelas cores, principalmente pelo vermelho. O desejo do pintor, porém, não é o vermelho de Mondrian, aquele vermelho primitivo, nem tampouco um vermelho de renascentista que busca simular cientificamente o real, mas um vermelho tal qual pintava Monet. E o que seria o vermelho Monet? Um vermelho impressionista, das cores que são capturadas no instante em que o olho olha e o cérebro acessa. Um vermelho da intensidade e da partilha do impossível, do pôr-do-sol que nos escapa. É neste ponto que os cabelos ruivos de Florence Lizz  completam a trama. 

Um outro ponto importante do filme é a relação entre original e cópia, simulação e real, matéria única, original e reprodução. Apesar dessa discussão já não ser nova faz tempo, é interessante como Vermelho Monet as traduz: de certa forma, até nossas maiores inspirações se assemelham com cópias de nosso passado. Nossa memória do mundo é um eterno fazer e desfazer do que já vimos e, no mundo da arte, sempre haverá alguém que pretende capitalizar diante de nossos sonhos, assombros e pesadelos.

O que escapa disso são os toques dos corpos, as pulsões que atravessam as relações, o sexo que descobrimos nas frições dos corpos e, claro, os gestos e as cores como a matéria essencial de toda boa arte. Vermelho Monet é um dos filmes nacionais mais belos dos últimos tempos. É clássico e contemporâneo. E, mais que isso, é vivo. O que é raro. 

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