O Estranho Mundo de Jack, a questão existencial

Quem não adora O Estranho Mundo de Jack (The Nightmare Before Christmas), um dos mais famosos filmes do Tim Burton? O grande Jack Skellington é ídolo de muita gente, ícone pop, estampa de milhares de camisetas, bolsas, botons, canecas e tudo mais que se possa imaginar. O visual sombrio e ao mesmo tempo divertido do filme, que foi o primeiro a ser gravado inteiramente em stop motion, ajudam muito com a popularidade de Jack, assim como as músicas que não saem da cabeça – quem aí não se lembra de This is Halloween? A música de abertura do filme já foi regravada por Marylin Manson e Panic! At the disco, isso sem falar que todas as músicas do filme foram regravadas por artistas ou bandas de rock, como Amy Lee, Korn, The All American Rejects e muitos outros, para o CD Nightmare Revisited, lançado em 2003. Ok, então é por isso tudo que o filme é tão popular, certo? Não só por isso: Jack é um personagem de fácil identificação, não só para crianças, visto que o filme atinge a todos os públicos. E por que é fácil de se identificar com Jack?

Tim Burton conseguiu fazer de um esqueleto um dos personagens mais humanos do cinema dos últimos tempos: Jack Skellington tem ânsias humanas, sente-se entediado e perdido em sua existência repetitiva e vazia; quer algo mais, algo que ele não sabe o que é, mas que precisa encontrar para preencher o vazio de seus ossos, como canta neste trecho da música Jack’s Lament (o lamento de Jack):

Peraí: preencher o vazio de seus ossos, entediado com a sua existência… O estranho mundo de Jack, apesar de, à primeira vista, parecer uma animação infantil, é um filme com um fundo existencial, afinal. Jack pode ser comparado a diversos personagens da literatura, cujas histórias envolvem questões existenciais e personagens que, assim como ele, buscam sentido em suas vidas, e muitas cometem erros em suas buscas, assim como Jack. Pois o querido esqueleto de Burton, ao se entediar com sua vida de ser o rei do Halloween e sempre fazer a mesma coisa, todo ano, sem nada de novo, nada de interessante, acaba encontrando a árvore que o leva para o mundo do Natal, e se encanta com a alegria do feriado de dezembro. Mas, como sua terra é o Halloween e ele não entende bem como funciona o Natal, Jack acaba causando um desastre.Sua busca por algo novo para lhe preencher o vazio de seus ossos, como ele mesmo canta, acaba dando errado, mas mesmo através de seus erros, Jack consegue se encontrar, e voltar a ver sentido em sua vida de rei do Halloween. Jack começou a sentir-se não mais tão bem com o fato de ser o rei do Halloween, tinha tédio pela repetição forçada de ser algo que ele não sentia mais ser verdadeiro, mas, ao tentar ser algo que não era, Jack se deu conta de quem realmente era, e do que isso significava para ele.

Na literatura, vemos algo semelhante acontecer em muitas obras que trazem questões existenciais, pois essa busca por um sentido é um dos maiores temas da literatura e uma das principais origens da filosofia, inclusive. Uma das grandes obras da literatura é inclusive citada no filme, quando, na música Jack’s Lament, Jack diz: “Since I am dead I can take off my head to recite Shakespearean quotations” (Já que estou morto, posso arrancar minha cabeça para recitar trechos de Shakespeare).

Seria isso apenas uma citação? Talvez sim, mas é fácil ver coisas em comum entre Jack e o príncipe dinamarquês: Hamlet divaga sobre o sentido da vida, no seu incrível e famoso monólogo do To be or not to be, e em outras partes da peça também, apesar de este ser o trecho mais famoso. Jack procura por um sentido para sua existência vazia, ele nem pode mais morrer, pois já morreu. Hamlet reflete sobre o sentido da vida, sobre a morte, o país de onde viajantes não retornam, Jack já conhece esse país, se entediou com ele, e ainda busca algum sentido para existir.

O tédio e a crise existencial de Jack podem remeter também a Holden Caulfield, que se entedia fácil, e que não sabe o que quer ser na vida. Jack cansou de ser ele mesmo, cansou da cidade do Halloween; Holden Caulfield cansa-se de tudo, considera todos falso – todos os adultos, pelo menos. Holden é jovem e não se encaixa no mundo adulto; Jack sente que não mais pertence mais ao seu lugar de origem. Os dois personagens são claramente caracterizados por suas crises de existência, o sentimento de tédio, e de não pertencer a seus mundos.

Não só esses dois personagens podem ser comparados a Jack, como diversos outros que enfrentam questões existenciais, se sentindo fora de lugar, procurando um sentido para suas vidas, algo a mais para preencher o vazio e suas existências, mas, se fosse listar todos, o foco da matéria acabaria mudando, e uma matéria sobre livros existenciais já foi feita recentemente. E o foco dessa matéria é Jack e sua eterna crise existencial (sim, eterna! Pois ele está morto, acham mesmo que depois do final do filme ele foi completamente feliz para sempre? É bem provável que ele tenha se entediado com tudo de novo, mas Jack sempre acha um jeito de se reencontrar, afinal, ele é o rei do Halloween!).

Publicado originalmente em Literatortura.

Related posts

“Ode à errância”: a poesia de Adonis, o maior poeta vivo de língua árabe 

“Quebra Tudo!”: Hermeto Pascoal ganha primeira biografia sobre sua vida e obra

CRÍTICA: A estrela cadente (2023): filme bom também é aquele que (se) distrai