Leituras #23: Destino Poesia, organizado por Ítalo Moriconi

Quando eu nasci
Um anjo muito louco
veio ler a minha mão.

Torquato Neto

Pode-se dizer que a literatura brasileira da segunda metade do século XX ficou, entre muitos aspectos, entre o sucesso e completo anonimato. Muitos poetas chegaram ao mainstream da literatura e conseguiram seu espaço de reconhecimento tanto na cultura quanto nas livrarias. Tratou-se de um momento em que os grandes manuais de literatura foram feitos e, quem conseguiu entrar neles, teve seu espaço garantido e reconhecido. No entanto, um grande número de poetas ficou de fora: sejam os marginais, os periféricos, os da “geração mimeógrafo” ou simplesmente aqueles que não se enquadravam nos modelos vigentes da época: os desdobramentos do modernismo/ poesia concreta.

A poesia não – telegráfica – ocasional –
me deixa sola – solta –
à mercê do impossível –
– do real.
Ana Cristina Cesar

Muitos desses nomes passaram a ser retroativamente lançados e lidos. Paulo Leminski, um dos grandes intelectuais do nosso país, atingiu níveis de cultura pop. Ana Cristina Cesar foi homenageada na FLIP (apesar de, até se jogar de um prédio mal ter seu nome falado). E isto aconteceu com muitos outros. Ítalo Moriconi busca trazer um pouco mais desses nomes e fazer com que, quem ainda não leu, possa ler de maneira simples, didática e apaixonante.

Ítalo Moriconi, atualmente, é um dos grandes estudiosos de literatura e poesia no Brasil. Apesar de publicar pouco, como segundo ele mesmo diz, é um grande movimentador das artes em nosso país. Afirma que, provavelmente, foi da última geração que teve uma boemia artística e política, misturada também com a vida acadêmica. Destino Poesia, lançada pela José Olympio em 2016, ele reúne poemas dos grandes nomes da poesia brasileira da segunda metade do século XX, como Ana Cristina Cesar, Cacaso, Paulo Leminski, Torquato Neto e Waly Salomão. O livro vem também com um prefácio que inicia os leitores nas obras e das características dos poemas destes artistas. Sem deixar de ser erudito, Moriconi trata a poesia como um fato cotidiano, ao alcance de todos.

Sintonia para pressa e presságio

. Escrevia no espaço.
Hoje, grafo no tempo,
. na pele, na palma, na pétala,
luz do momento.
. Sôo na dúvida que separa
o silêncio de quem grita
. do escândalo que cala,
no tempo, distância, praça,
. que a pausa, asa, leva
para ir do percalço ao espasmo.

. Eis a voz, eis o deus, eis a fala,
eis que a luz se acendeu na casa
. e não cabe mais na sala.

O mais interessante da colagem de poemas feita por Moriconi é que, ao dar o título de Destino Poesia, ele busca dar ao que não lido status de “destino”, ou seja, quase afirma que os poetas que estiveram no anonimato, assim estiveram para que uma traçado de vida fosse composto, seja para que seja poesia se mantivesse potente, longe da vistas dos acadêmicos, seja porque esta talvez seja a grande missão do poeta: manter uma solidão povoada, uma distância afetiva.

Destino Poesia cumpre um papel simples de dar a ver, de forma breve, como um livreto de ônibus ou metrô, aquilo que merece ser visto.

Para ler os melhores poemas da obra, acesse:
https://jornalnota.com.br/2016/07/19/os-19-melhores-poemas-de-destino-poesia-organizado-por-italo-moriconi/

Foto de capa: Blog Desbravador de Mundos

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