Leituras #21: Crime e Castigo, de Fiódor Dostoievski

Crime e Castigo, uma das principais obras de Fiódor Dostoievski, conta a história de Rodion Romanovitch Raskólnikov, um jovem que vive em um pequeno apartamento alugado. Beirando à miséria, o ex estudante de Direito busca realizar feitos importantes de modo a dar sentido à vida que, para ele, se apresenta como um monótono dia a dia no qual as pessoas, que ele julga se dividirem em pessoas comuns e pessoas extraordinárias, apenas sobrevivem. No decorrer de suas reflexões, Raskólnikov começa a se questionar porque homens como Napoleão, que foram responsáveis por milhares de mortes, são considerados grandes nomes pela História.

Partindo desta reflexão, o personagem se pergunta por que ele mesmo não poderia ser como estes homens. Por que não matar a velha que aluga seu apartamento e vive de aluguéis e juros – algo que ele vê como moralmente condenável? Em sua mente, ele não poderia ser responsabilizado por isso, pois estaria fazendo um bem à Humanidade, assim como os grandes homens que, durante a História, tiveram que agir de forma violenta para garantir um “bem maior”. Raskólnikov, então, mata a velha, o que desencadeia uma série de acontecimentos perturbadores.

Dostoievski registra magistralmente o caminho percorrido pelo personagem, desde o assassinato até as cenas seguintes, nas quais o mesmo se vê torturado por seu ato. Enlouquecido por sua própria consciência, Raskólnikov mergulha em um mundo sombrio que o leva a refletir sobre a vida, a ética e a moral. Corroído pela culpa, ele vê todo o seu mundo desabar. Com um ritmo alucinado que faz com que os leitores vivenciem as mesmas angústias que o personagem, Dostoievski cria uma obra brilhante na qual levanta uma questão essencial: seria a culpa o maior castigo para um crime?

É possível perceber a influência da obra de Dostoievski em diversas produções filosóficas no século XX. Michel Foucault, autor do clássico Vigiar e Punir, discute o surgimento das prisões e a relação entre crime e castigo na sociedade disciplinar, levantando a mesma questão anteriormente discutida por Dostoievski em Crime e Castigo: seria a alma a prisão do corpo? Seria a privação da liberdade um “novo suplício”, no qual o condenado abre mão daquilo que, apesar de ser um conceito controverso, é seu bem mais precioso? Saber-se criminoso é, talvez, a pior parte de um castigo que migra do corpo para a alma, conforme diz o filósofo, e é exatamente isso que acontece com Raskólnikov: ver a si mesmo como o homem que matou a velha é, no fim, o pior castigo que poderia receber.

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