“Acho que se criou uma aura, um mito, em torno dessa personagem
Claudia Wonder no rock dos anos 80. Eu era muito maldita pra ser
aceita. Eu me considero uma ilustre desconhecida, porque muita
gente ouve falar de mim, é uma coisa de lenda, de história, mas não
me conhece pessoalmente.”
Claudia Wonder
Flor do asfalto, p. 108
É não apenas a imagem, mas sobretudo a voz de Claudia Wonder, multiartista, travesti e militante paulistana, que povoa as páginas de Flor do asfalto, de Dácio Pinheiro, e publicado pela Editora Ercolano. Claudia sempre foi plural: dublou divas em cabarés, gravou canções de rock, participou de montagens no teatro de vanguarda com José Celso Martinez Corrêa, posou nua em revistas masculinas, atuou em pornochanchadas e filmes pornográficos, além de ter revolucionado o rock nacional com uma performance antológica. E, como se não bastasse toda sua veia artística, teve um filho e se empenhou na luta por direitos LGBTI+ e de pessoas que convivem com o vírus HIV.

Flor do asfalto percorre vida e obra de Claudia desde seu nascimento em São Paulo, em 1955, visitando o período em que ela frequentou os palcos e inferninhos da cidade, nos últimos anos da ditadura militar, e viaja também para a Europa, onde a artista passou algumas temporadas. Sets de cinema, a redação da revista G Magazine e a própria capital paulistana são outros cenários por onde Claudia desfila ao narrar sua história. Organizado a partir de entrevistas concedidas a Dácio Pinheiro, o livro nasce do encontro do cineasta com Claudia, que resultaria no primeiro longa-metragem de Dácio, Meu amigo Claudia. Em tom intimista, os depoimentos inéditos em Flor do asfalto revelam ao leitor que nem tudo foram flores na vida da artista e ativista.
Ilustrado com fotos e recortes de jornal, além de outras raridades do acervo pessoal de Claudia, o livro reúne uma memorabilia que reflete a personalidade multifacetada de sua biografada. Flor do asfalto traz ainda textos como uma apresentação de Dácio Pinheiro, prefácio da escritora travesti Amara Moira e posfácio do jornalista e amigo das últimas horas de Claudia, Neto Lucon. Além das memórias de escritores e artistas que conviveram com ela, o livro conta com uma crônica de Caio Fernando Abreu e poemas de Glauco Mattoso dedicados a ela.
Algo fortuito e inesperado, resistente e frágil: assim é a flor do asfalto, imagem cara à própria Claudia, como ela mesma revela. A flor rebenta no meio do concreto, entre rachaduras, enfrentando o cimento de má qualidade. Embora suas condições de vida sejam adversas, lá está ela. Como escreveu Carlos Drummond de Andrade: “É feia. Mas é uma flor”.
Sábia e generosa, Claudia também tinha suas complexidades e idiossincrasias: um ser humano complexo como as próprias flores. E, se nessa flor há algo de maravilhoso no sentido original do termo, algo assombroso e notório — wonderful, em inglês —, é sua coragem. Claudia questionava o Brasil fálico e violento sob a intolerância do regime militar, chutando o senso comum ao som virulento da guitarra, berrando poesia punk e quase literalmente chacoalhando o público ao fazer uma performance numa banheira cheia de groselha no clube Madame Satã, em clara alusão ao sangue e à devastação causada pelo HIV.
Onde quer que fosse, Claudia incitava, ora delicada, ora brutalmente, as pessoas a se transformarem e a terem coragem. Como se o seu público também pudesse ousar e brotar no meio da poluição; resistir, sim, mas simplesmente existir tal como se é, com a ternura própria dos seres vivos fortes, no asfalto de uma cidade que nunca escondeu sua aversão à natureza… e às flores. E, se uma dessas flores do asfalto cresceu em condições adversas, tudo indica que continuará a crescer na atualidade.
Sobre o autor:
Dácio Pinheiro é cineasta e produtor. Dirigiu e produziu diversos projetos independentes, entre eles os documentários Eletrônica:Mentes (2019) e Lenita (2023), e o premiado curta de ficção O aniversário do seu Lair (2022).
Entre seus trabalhos mais destacados está seu primeiro longa-metragem, intitulado Meu amigo Claudia (2009) e premiado em festivais como Mix Brasil e LesGaiCineMad. O documentário narra a trajetória de Claudia Wonder através de imagens exclusivas, entrevistas com a própria artista e com personalidades que conviveram com ela, como José Celso Martinez Corrêa, Kid Vinil e Grace Gianoukas. Claudia Wonder: Flor do asfalto é seu primeiro livro.
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