Em 2021, no auge da pandemia, o diretor Woody Allen deu uma entrevista para o programa do jornalista Pedro Bial. Nela, Bial pergunta como Woody Allen, na época com 85 anos, estava lidando com a pandemia e a resposta diz muito sobre toda a vida e obra do diretor estadunidense.
Ele diz que passou grande parte da vida acreditando que a qualquer momento um pedregulho cairia sobre sua cabeça e que ele morreria assim de repente. Essa sensação paranoica e claustrofóbica fazia com que os efeitos da pandemia parecessem menores para ele, embora sentisse falta da convivência com amigos e seus passeios pelas ruas.
Não à toa, muitos filmes do diretor tratam com um humor triste – o melhor tipo de humor que existe – justamente de seu espírito obsessivo, paranoico, ansioso e hipocondríaco. Neste sentido, a pergunta que parece pairar em sua vida é: será que tem algo errado comigo ou o mundo está realmente prestes a desabar?
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Golpe de Sorte em Paris (2023), o novo e 50º filme do Woody Allen, é mais um dos desdobramentos investigativos do diretor sobre a relação entre destino, acaso, probabilidades e reviravoltas. Seu ateísmo judeu indica que, ao mesmo tempo, ele acredita que algo lhe foi prometido, mas como há ninguém para garantir, isso tudo pode ser tomado a qualquer momento. E esta é a beleza desse e de outros filmes da carreira do diretor como Match Point (2005), Crimes e Pecados (1989), entre outros.
Do que fala Golpe de Sorte em Paris?
Golpe de Sorte em Paris (2023) conta a história de Fanny (Lou de Laâge), uma jovem que reencontra Alain (Niels Schneider), um amigo da escola que era apaixonado por ela e que agora está em Paris para tentar a vida como escritor. Casada com Jean (Melvil Poupaud), um marido rico e poderoso, ela diz que se sente muitas vezes como uma esposa troféu, cuja vida perfeita é proporcionalmente entediante. Após alguns almoços com esse amigo, ela começa a ter um relacionamento extraconjugal até que seu marido começa a desconfiar de alguma coisa.
A partir desse momento, Woody Allen constrói novamente aquela trama em que destino e acaso parecem se atravessar. Enquanto uns tentam operar transformações na realidade (“eu faço a sorte”, diz o marido), outros, como o amante, entendem que a vida é uma absoluta improbabilidade (“temos 1 em 4 bilhões de chances de nascer”, afirma Alain).
No meio dessas duas histórias, a jovem começa a entender que sua vida pode ser menos simples do que parece e que, entre acaso e destino, parece haver muita coisa em jogo tanto no passado do marido quanto em seu presente.
Filmado novamente em Paris, depois do sucesso Meia Noite em Paris (2011), que apesar do sucesso é um filme bem inferior a Para Roma com Amor (2012) em que Allen encontra o mestre Roberto Benigni, Golpe de Sorte em Paris não parece ser escrito por um diretor de 88 anos que está em seu 50º.
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Com graça, destreza e jovialidade, Woody Allen é um diretor muito mais jovem que a maioria de seus contemporâneos e, ainda assim, não esquece de se debruçar em conversas com seus mestres de sempre como Dostoiévski e Nietzsche. Nesta obra em especial, ele optou por fazer uso de grandes nomes da cultura francesa e podemos ver citações a nomes como Antoine Prevost, autor de Manón Lescaut, e Stéphane Mallarmé, Basquist e até o autor de romances policiais Georges Simenon.
Para os que cancelam Woody Allen, não deixo de ver razão em se levar a sério situações de denúncias tão graves. Porém, digo que é a forma mais simples – e mais moralista – de não encarar um diretor complexo, cheio de problemas complexos e visões catastróficas da vida. Durante 50 anos, o diretor dedicou sua vida a explorar isto que chamamos de psiquê humana, mergulhando fundo nos mistérios do mundo e, principalmente, nos fantasmas de sua vida. Com humor, com drama, com traumas.
Golpe de Sorte em Paris (2023), tal como Match Point, nos arrasta para um final imprevisto. Nem certo nem errado, simplesmente o que foi na hora que foi. A vida totalmente sem sentido e a gente, no meio dela, perdido.
Confira o trailer: