“Liberdade e culpa não andam juntas: ou é uma coisa, ou é outra”. “Medo é igual veneno”. São estes conselhos que nosso protagonista Romeu (Chico Díaz) ouve de passageiros que sentam à sua frente durante uma viagem numa cabine de trem metálica aparentemente desacoplada do resto da máquina. Ele é acompanhado por um buquê de girassóis vermelhos dado por uma mulher logo antes de ele embarcar, e também por um livro de capa rubra: “A casa do girassol vermelho” de Murilo Rubião. Aí está o detalhe: neste momento estão nos dizendo que o que veremos se trata de uma livre adaptação da obra quase inadaptável de Rubião.
Nosso herói – será? – tem sua viagem interrompida repentinamente e desembarca numa cidade praticamente lynchiana, em alusão à atmosfera das obras do já saudoso David Lynch. Convivendo com vigilância digna do Grande Irmão de 1984, Romeu segue uma dama de vermelho e, uma vez com ela, é preso por dois policiais e literalmente enjaulado. E este é apenas o começo de seus problemas.

Chamei anteriormente a obra de Murilo Rubião de quase inadaptável, mas esta não é a primeira adaptação que se faz dela – obra que é relativamente curta, de apenas 33 contos publicados em sete livros. Ano passado tivemos “O Lodo” de Helvécio Ratton, um bom exemplo do pouco explorado fantástico no cinema brasileiro. Comparado a ele, Girassol Vermelho parece uma adaptação desconjuntada.
Luiza Lemmertz se consagra como atriz de filmes “diferentões” após “O Diabo na Rua no Meio do Redemunho” e este aqui. O sobrenome não engana: é filha de Júlia e neta de Lílian Lemmertz. Ela estreou aos nove anos ao participar de um curta, e em sua passagem pelo cinema já participou de cinco filmes, sendo a livre-adaptação de “Grande Sertão: Veredas” mencionada anteriormente seu trabalho de maior destaque.
Chico Díaz, além de protagonista, é também co-produtor de Girassol Vermelho. Ele apostou suas fichas no sucesso pregresso de um dos diretores, Eder Santos, em diversas frentes artísticas, sendo predominantemente conhecido por seu pioneirismo na videoarte no Brasil, tendo com ela alcançado galerias do mundo todo.

Um aviso aparece na tela nos primeiros segundos de projeção, dizendo que o filme foi realizado com recursos do Programa de Estímulo Audiovisual Filme em Minas. Em tempos de “denunciar” a Lei Rouanet por patrocinar filmes com alta carga ideológica – o que é MENTIRA, a Rouanet não se aplica ao audiovisual de longa-metragem – é bom deixar claro de onde vêm os patrocínios. O programa foi criado em 2004 e estabelece uma parceria entre o governo do Estado e a CEMIG, Companhia Energética de Minas Gerais, para fomentar novos projetos de qualquer metragem.
“Girassol Vermelho” foi o filme de abertura da edição de 2025 do Festival de Cinema de Tiradentes – e com razão. É comum encontrarmos em festivais obras mais experimentais, apreciadas pelo público que talvez possa ser chamado de mais cult que frequenta estes eventos. Entre o onírico e o psicodélico, pode não ser a melhor adaptação da obra de Murilo Rubião, mas traz reflexões sobre autoritarismo e liberdade, que não podiam ser mais atuais.
Revisado: Gabriel Batista
“Girassol Vermelho” estreia em 03 de abril. Confira o trailer:
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