Babygirl (2025): o female gaze revoluciona o cinema erótico na frente e atrás das câmeras

Na ficção, é comum ver a sexualidade feminina associada à devassidão. Para satisfazer o próprio desejo, muitas vezes, as personagens precisam escolher entre ser uma boa pessoa ou desafiar a moral. É isto ou aquilo: ter orgasmos e continuar sendo alguém confiável é quase impensável para as mulheres. 

Isso é bem evidente em suspenses eróticos desde os anos 1980 como Atração Fatal (Adrian Lyne, 1987) até a recente minissérie da AppleTV+, Disclaimer (Alfonso Cuarón, 2024). Mas Babygirl, novo filme com Nicole Kidman, escrito e dirigido pela holandesa Halina Reijn, parece ter sido pensado para subverter essa lógica. 

Ovacionado no Festival de Veneza, no qual Nicole Kidman ganhou o prêmio de Melhor Atriz, Babygirl, lançado em 2025 no Brasil, apresenta a crise vivida por uma mulher poderosa quando encontra a possibilidade de apreciar plenamente a sua vida sexual. 

Nicole Kidman e Harris Dickinson

Na pele de Kidman, ela é uma CEO bem-sucedida que vive um casamento de quase 20 anos, aparentemente feliz, com o marido interpretado por Antonio Banderas. Contudo, essa ordem é sacudida quando um novo estagiário (Harris Dickinson) aparece e a escolhe como mentora em uma espécie de programa de capacitação na empresa. 

O dilema logo se apresenta: ser uma esposa fiel e uma líder ética ou viver um caso com um rapaz muito mais jovem? 

A grande decisão em Babygirl, no entanto, não está em escolher isto ou aquilo e sim em “ser capaz de amar todas as partes de si”, como a diretora Halina Reijn repete em várias entrevistas. Ela lembra que, desde os clássicos shakespearianos, os personagens masculinos são corruptos, traidores, ciumentos, mas isso não anula a sua grandeza, pelo contrário, só os torna mais interessantes. Por outro lado, às personagens femininas resta serem virgens e traídas em vidas de sofrimento. Para reivindicar papéis de maior riqueza às mulheres, Reijn atua em prol de revolucionar até o que não se vê diante das telas. 

Veja também: Trilha Sonora para um Golpe de Estado: documentário traz colagem de imagens históricas ao som de jazz

Babygirl e a revolução dos bastidores 

Nicole Kidman e a diretora Halina Reijn

Babygirl é erótico e ousado, mas, ao contrário de vários filmes importantes que surgiram antes com propostas semelhantes, não se desenvolve a partir da exploração das atrizes. 

Desde o enredo, Halina Reijn faz um caminho muito diferente do que foi escolhido em títulos como 9 1/2 semanas de amor (Adrian Lyne, 1986) e O Último Tango em Paris (Bernardo Bertolucci, 1972), em que as personagens principais são frágeis ou sem convicções. Aqui, Nicole Kidman é a figura detentora de poder e quando abre mão dele é pelo seu próprio arbítrio. 

Entretanto, a maior diferença entre essas obras é que Babygirl não faz parte de uma cultura abusiva. Nicole Kidman declara que não se sentiu explorada em nenhuma das cenas e que tudo foi feito a partir de horas de conversa entre o elenco e a diretora para criar um ambiente totalmente seguro e confortável. 

Reijn consolida uma nova fase de filmes sensuais que devem ser marcantes pelo que é visto em cena e não por polêmicas e abusos de bastidores lembrados décadas mais tarde como foram os casos de Kim Basinger e Maria Schneider em 9 1/2 semanas e Último Tango, respectivamente. Além, é claro, de abordar a sexualidade de uma mulher pelo female gaze (olhar feminino).

Babygirl não é o sexy óbvio

O que se vê em Babygirl não são cenas de sexo comuns que acontecem como uma dança envolvente que encantam o espectador e o levam a desejar que a personagem principal abandone tudo para viver aquela paixão. 

É diferente, as cenas íntimas entre Romy e Samuel, personagens de Nicole Kidman e Harris Dickinson, são estranhas. A protagonista vive o que talvez seja o seu primeiro contato com o que, de fato, a satisfaz sexualmente, portanto, há uma inevitável estranheza em explorar o desconhecido. 

O figurino reforça a sensação de embaraço. Na primeira cena de sexo com Samuel, Romy usa uma saia lápis que dificulta que ela fique numa posição totalmente submissa ao amante, o que expõe a complexidade em despir-se das próprias representações sociais. 

Romy e Samuel (Nicole Kidman e Harris Dickinson)

O desejo é uma performance

A estranheza das cenas de sexo é percebida, sobretudo, pelas personagens. Em algum momento, você pode pensar que tudo é muito esquisito e humilhante ao ponto de ser teatral e que a mulher não se submeteria a isso. 

Mas a verdade é que, na primeiríssima cena do filme, a protagonista finge um orgasmo com o marido. Isso abre logo no início uma possibilidade: se Romy se submete ao fingimento para satisfazer o esposo, por que não se submeteria a uma nova performance que, quem sabe, poderia levar ao seu próprio prazer? 

Não por acaso, os grandes afetos em jogo na trama são apresentados como papéis a serem interpretados. Jacob, o marido da protagonista, é um diretor de teatro e, nas três vezes em que Romy tenta se conectar mais profundamente com ele, a cena acontece em um teatro, enfatizando a ideia de que a expressão de algumas emoções exigem uma performance. 

Antonio Banderas e Nicole Kidman como Jacob e Romy

De forma geral, Babygirl tem os 3 elementos que um filme precisa para ser uma obra relevante para o seu gênero: elementos visuais de fácil identificação e associação à obra, a capacidade de originar conversas que nem precisam citar o filme e, principalmente, superar as limitações dos trabalhos semelhantes que foram lançados anteriormente.

Minha nota para Babygirl no Letterboxd: 3 estrelas e meia. 

Babygirl (2025 no Brasil) 

Direção e roteiro: Halina Reijn 

Duração: 1h e 54 min

Revisado por Letícia Magalhães

Related posts

Reestreia na Cinemateca: José Rubens Siqueira, uma peça essencial do cinema nacional

“Loucos Por Cinema!” (2025) – Longa francês aborda a experiência cinematográfica

Carcaça (2025) adiciona (mais) terror ao recente passado pandêmico