Na ficção, é comum ver a sexualidade feminina associada à devassidão. Para satisfazer o próprio desejo, muitas vezes, as personagens precisam escolher entre ser uma boa pessoa ou desafiar a moral. É isto ou aquilo: ter orgasmos e continuar sendo alguém confiável é quase impensável para as mulheres.
Isso é bem evidente em suspenses eróticos desde os anos 1980 como Atração Fatal (Adrian Lyne, 1987) até a recente minissérie da AppleTV+, Disclaimer (Alfonso Cuarón, 2024). Mas Babygirl, novo filme com Nicole Kidman, escrito e dirigido pela holandesa Halina Reijn, parece ter sido pensado para subverter essa lógica.
Ovacionado no Festival de Veneza, no qual Nicole Kidman ganhou o prêmio de Melhor Atriz, Babygirl, lançado em 2025 no Brasil, apresenta a crise vivida por uma mulher poderosa quando encontra a possibilidade de apreciar plenamente a sua vida sexual.
![](https://jornalnota.com.br/wp-content/uploads/2025/02/fazer-a-diferenca-38-1024x535.jpg)
Na pele de Kidman, ela é uma CEO bem-sucedida que vive um casamento de quase 20 anos, aparentemente feliz, com o marido interpretado por Antonio Banderas. Contudo, essa ordem é sacudida quando um novo estagiário (Harris Dickinson) aparece e a escolhe como mentora em uma espécie de programa de capacitação na empresa.
O dilema logo se apresenta: ser uma esposa fiel e uma líder ética ou viver um caso com um rapaz muito mais jovem?
![](https://jornalnota.com.br/wp-content/uploads/2025/02/fazer-a-diferenca-36-1024x535.jpg)
A grande decisão em Babygirl, no entanto, não está em escolher isto ou aquilo e sim em “ser capaz de amar todas as partes de si”, como a diretora Halina Reijn repete em várias entrevistas. Ela lembra que, desde os clássicos shakespearianos, os personagens masculinos são corruptos, traidores, ciumentos, mas isso não anula a sua grandeza, pelo contrário, só os torna mais interessantes. Por outro lado, às personagens femininas resta serem virgens e traídas em vidas de sofrimento. Para reivindicar papéis de maior riqueza às mulheres, Reijn atua em prol de revolucionar até o que não se vê diante das telas.
Veja também: Trilha Sonora para um Golpe de Estado: documentário traz colagem de imagens históricas ao som de jazz
Babygirl e a revolução dos bastidores
![](https://jornalnota.com.br/wp-content/uploads/2025/02/fazer-a-diferenca-41-1024x535.jpg)
Babygirl é erótico e ousado, mas, ao contrário de vários filmes importantes que surgiram antes com propostas semelhantes, não se desenvolve a partir da exploração das atrizes.
Desde o enredo, Halina Reijn faz um caminho muito diferente do que foi escolhido em títulos como 9 1/2 semanas de amor (Adrian Lyne, 1986) e O Último Tango em Paris (Bernardo Bertolucci, 1972), em que as personagens principais são frágeis ou sem convicções. Aqui, Nicole Kidman é a figura detentora de poder e quando abre mão dele é pelo seu próprio arbítrio.
Entretanto, a maior diferença entre essas obras é que Babygirl não faz parte de uma cultura abusiva. Nicole Kidman declara que não se sentiu explorada em nenhuma das cenas e que tudo foi feito a partir de horas de conversa entre o elenco e a diretora para criar um ambiente totalmente seguro e confortável.
Reijn consolida uma nova fase de filmes sensuais que devem ser marcantes pelo que é visto em cena e não por polêmicas e abusos de bastidores lembrados décadas mais tarde como foram os casos de Kim Basinger e Maria Schneider em 9 1/2 semanas e Último Tango, respectivamente. Além, é claro, de abordar a sexualidade de uma mulher pelo female gaze (olhar feminino).
Babygirl não é o sexy óbvio
![](https://jornalnota.com.br/wp-content/uploads/2025/02/babygirl.png)
O que se vê em Babygirl não são cenas de sexo comuns que acontecem como uma dança envolvente que encantam o espectador e o levam a desejar que a personagem principal abandone tudo para viver aquela paixão.
É diferente, as cenas íntimas entre Romy e Samuel, personagens de Nicole Kidman e Harris Dickinson, são estranhas. A protagonista vive o que talvez seja o seu primeiro contato com o que, de fato, a satisfaz sexualmente, portanto, há uma inevitável estranheza em explorar o desconhecido.
O figurino reforça a sensação de embaraço. Na primeira cena de sexo com Samuel, Romy usa uma saia lápis que dificulta que ela fique numa posição totalmente submissa ao amante, o que expõe a complexidade em despir-se das próprias representações sociais.
![](https://jornalnota.com.br/wp-content/uploads/2025/02/unnamed-13-1024x576.png)
O desejo é uma performance
A estranheza das cenas de sexo é percebida, sobretudo, pelas personagens. Em algum momento, você pode pensar que tudo é muito esquisito e humilhante ao ponto de ser teatral e que a mulher não se submeteria a isso.
Mas a verdade é que, na primeiríssima cena do filme, a protagonista finge um orgasmo com o marido. Isso abre logo no início uma possibilidade: se Romy se submete ao fingimento para satisfazer o esposo, por que não se submeteria a uma nova performance que, quem sabe, poderia levar ao seu próprio prazer?
Não por acaso, os grandes afetos em jogo na trama são apresentados como papéis a serem interpretados. Jacob, o marido da protagonista, é um diretor de teatro e, nas três vezes em que Romy tenta se conectar mais profundamente com ele, a cena acontece em um teatro, enfatizando a ideia de que a expressão de algumas emoções exigem uma performance.
![](https://jornalnota.com.br/wp-content/uploads/2025/02/fazer-a-diferenca-39-1024x535.jpg)
De forma geral, Babygirl tem os 3 elementos que um filme precisa para ser uma obra relevante para o seu gênero: elementos visuais de fácil identificação e associação à obra, a capacidade de originar conversas que nem precisam citar o filme e, principalmente, superar as limitações dos trabalhos semelhantes que foram lançados anteriormente.
Minha nota para Babygirl no Letterboxd: 3 estrelas e meia.
Babygirl (2025 no Brasil)
Direção e roteiro: Halina Reijn
Duração: 1h e 54 min
Revisado por Letícia Magalhães