De volta após 25 anos da primeira encenação, “A máquina” mostra vigor e encantamento

A jovem Karina quer sair de Nordestina, no interior do sertão, para “conhecer o mundo”, mas Antônio, seu amado, tenta evitar o êxodo de um jeito diferente: construindo uma máquina do tempo para ela ver tudo o que quiser do seu quintal. Vinte e cinco anos após sua primeira montagem, “A Máquina” volta aos palcos, em cartaz no Teatro Iqué, em São Paulo, com Alexandre Ammano, Marcos Oli, Bruno Rocha e Vittor Brito, além da presença luminosa de Agnes Brichta. 

Se o elenco do espetáculo é novo, o palco giratório – símbolo da primeira versão – foi mantido. De modo que é nesse carrossel que o quarteto brinca com o lirismo do texto de João Falcão, que, ainda que não beba diretamente da obra de Ariano Suassuna, lhe presta uma clara homenagem.

Ótimos em cena, os quatro artistas se revezam na interpretação de Antônio, fazendo a encenação lembrar um pique-esconde. 

 Foto: Edilson Dantas

Esse jeito lúdico de contar a história coloca graxa na encenação e histórias conhecidas, como a criação de Adão e Eva, são revistas pelos quatro Antônios sob uma perspectiva brasileira, já que a ideia não é manter fidelidade aos fatos, mas bifurcar a fantasia por meio das palavras porque contar histórias – ou escrevê-las – são atos revolucionários. A oralidade da cultura nordestina e seus tipos comuns compõem o espetáculo.

A disposição da plateia em formato de arena não é por acaso. Em alguns momentos da peça, vemos um carrossel; em outros, um picadeiro, um relógio… A cada nova forma, “A Máquina” faz a narrativa girar a partir daquilo que depende do público para acontecer — como se a presença da plateia fosse o combustível para que a invenção de Antônio funcione e Karina possa, enfim, ver o mundo.

Isso porque a máquina de Antônio é o próprio teatro. Ou seja, é o palco, o texto e a união dessas engrenagens por meio dos artistas. Ver o mundo e viajar pelas eras é ir ao teatro. E é também nesse ponto que as duas versões do espetáculo se conectam, como se coexistissem num mesmo tempo, apesar dos 25 anos que as separam.

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Essa brincadeira com o tempo depende do elenco para se manter de pé. O coletivo Ocutá, vindo da bem-sucedida montagem de “O Avesso da Pele”, adaptação da obra de Jeferson Tenório, provavelmente aproveita a experiência anterior para entender o quanto de literatura há na dramaturgia de João Falcão. Atentos, os quatro artistas revelam facetas distintas do personagem — como se fossem, vejam só, antônimos das palavras-chave da narrativa. Um trabalho que exige atenção e escuta.

Na sessão a que assisti, por exemplo, a jornalista Sandra Annenberg estava presente. No momento em que cada ator se dirige a um setor diferente da plateia, Vittor Brito aproveitou a oportunidade para citá-la — sem perder o fio da cena. Foi bonito.

A viagem no tempo de Antônio, de certa forma, serve para lembrar o Brasil de nunca perder de vista a ironia do futuro. Se há 25 anos vivíamos a efervescência de um governo progressista, conquistas sociais e revitalização da cultura, agora o país não parece muito diferente, não é mesmo? 

Agora, ainda que tudo esteja diferente, essa nova visão tem beleza própria: o giro pode nos fazer voltar para o mesmo lugar, como Antônio parece compreender no fim do espetáculo. Mas nunca voltamos do mesmo modo. “O tempo é irrealizável”. 

FICHA TÉCNICA

Baseado no livro de Adriana Falcão

Adaptação e Direção: João Falcão

Elenco: Agnes Brichta, Alexandre Ammano, Bruno Rocha, Marcos Oli e Vitor Britto

Idealização: Clayton Marques

Codireção e Preparação Corporal: Gustavo Falcão

Assistente de Direção e Comunicação: Duda Martins

Assistente de Direção e Produção: Jofrancis

Oficina de Danças Populares: Alisson Lima

Cenografia: João Falcão e Vanessa Poitena

Cenografia Original: João Falcão e Denis Nascimento

Assistente de Cenografia: Renata Garcia

Direção de Palco: Luis Felipe Machado

Figurino: Chris Garrido

Assistente de Figurino: Maria Helena Alcântara e Valquíria Reducino

Visagismo: Louise Helène

Hair Style: Steffone

Música Original: DJ Dolores

Trilha Sonora: Ricco Viana e João Falcão

Direção Musical: Ricco Viana

Desenho de Som: Raul Teixeira / Edézio Aragão / Thiago Schin

Operação de Som: Edézio Aragão / Thiago Schin

Desenho de Luz: Cesar de Ramires

Operação de Luz: Daniel Galván

Designer e Comunicação Visual: Helbert Rodrigues

Fotos: Flora Negri e Leonardo Bonato

Redes Sociais: Alexandre Ammano e Caroli

Videomaker: Daniel Bianchi e Victor Canhada

Assessoria de Imprensa: Factoria Comunicação – Vanessa Cardoso e Daniella Cavalcanti

RSVP: Patricia Casé (Casé Comunica)

Financeiro: Nicole Bitu

Equipe Cenotécnica: Cia Malagueta – Alício Silva, Giorgia Massetani, Joana Pegorari, Igor B. Gomes, Danndhara Shoyama, Shampzs, Luna Costa, André Costa, João Chiodo, Matheus Muniz, Beatriz Leandro, Julia Leandro.

Anexo de Arquibancadas: Jamelão – Cinecidade

Aderecista: Ricardo Costa

Assessoria Jurídica: Rafael Novaes e Amanda Mayumi

Assessoria contábil: Fratem

Gerente de Projetos: David Henrique França

Direção de Produção: Clayton Marques e Oliver Tibeau

Produção: Daniel Bianchi e Margarete Calgaro

Co-realização: TeatroIquè

Realização: MaquinaMaquina Produções    

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