O ano era 1937 e o livro Capitães da Areia, de Jorge Amado (1937), era considerado uma ameaça ao Estado brasileiro e por isso, foi lançado à fogueira, juntamente com mais de 1,8 mil obras de literatura brasileira, consideradas simpatizantes do comunismo.
Os livros foram queimados em frente à antiga Escola de Aprendizes de Marinheiro, na Cidade Baixa de Salvador, próximo ao Elevador Lacerda e onde atualmente fica localizado o Mercado Modelo.
Quem recolheu os livros para serem jogados à fogueira foi uma Comissão Executora do Estado de Guerra do Governo. O “evento” foi acompanhado de perto pelos militares e membros da citada comissão.
A escolha da fogueira para por fim nos livros indicados pela comissão de buscas e apreensões de livros, se deu, pois, o fogo era um símbolo de combate à “propaganda do credo vermelho”, termo definido pelas autoridades do Estado Novo de Getúlio Vargas, que havia sido recém-instalado.
Entre os 90% dos exemplares incinerados, recolhidos das livrarias de Salvador, eram de Jorge Amado, autor baiano, ainda muito jovem, com obras marcadas por seu viés social. Capitães da Areia (1937), havia sido lançado meses antes e compunha grande parte do lote queimado.
O livro de Jorge Amado não foi alvo da fogueira à toa. O jovem autor era filiado ao Partido Comunista, foi preso duas vezes e seu livro era uma forte crítica às desigualdades sociais existentes naquele período.
A atuação do Estado Novo
Circulava uma notícia no Brasil de que havia um plano falso de instauração do comunismo no país. O plano, como tantas outras ideias, era falso e para combater a suposta “investida comunista”, foi criado o Plano Cohen, que mantinha o discurso de que havia ordens da Terceira Internacional Comunista para assassinar políticos brasileiros e tomar o poder.
Getúlio vargas, que já estava no poder desde 1930, usou a exaltação criada pelo Plano Cohen e fechou o Congresso, cancelando as eleições e implantando o golpe de Estado no dia 10 de novembro de 1937. Começava assim a ditadura do Estado Novo no Brasil.
A perseguição aos “comunistas” se intensificou contra os membros do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e intelectuais, que eles julgavam estar associados à ideologia da República Socialista Soviética e sua capital, Moscou.
Jorge Amado e outras vítimas da fogueira
Além dos livros de Jorge Amado, outros livros e autores foram vítimas da perseguição do governo ditatorial. José Lins do Rego teve seu livro Meninos de Engenho (1932), queimado, do mesmo modo que Reinações de Narizinho (1931), livro infantil de Monteiro Lobato.
Segundo o escritor Lira Neto, autor da trilogia Getúlio,
“No Estado Novo, qualquer coisa considerada ofensiva à moral e aos bons costumes virava alvo do regime”. […] “Os principais intelectuais do Brasil naquele momento ou foram presos ou cooptados.”
Enfim, se os livros e seus autores escrevessem sobre as desigualdades presentes no país, constituía motivo suficiente para ser perseguido pelo Estado Novo, conforme a censura estabelecida, que proibia a discussão de temas como lutas de classe ou considerados contrários à moral e aos bons costumes.
Recentemente, estamos vivenciando no Brasil situações similares a estas vividas pelos autores da década de 1930, e por isso, precisamos enfrentar a hostilidade e ignorância da extrema-direita que tenta se estabelecer em nosso país.