Recentemente, li uma reportagem na CNN que destacava o tempo que um leitor levaria para ler os 500 “melhores livros de todos os tempos”. A reposta são cinco meses, 15 dias, 21 horas e 44 minutos, sendo que o tempo médio de leitura de um adulto é de 300 palavras por minuto. É uma das muitas notícias que me fazem pensar diariamente: qual o valor da leitura nos dias de hoje?
Gilles Deleuze, o filósofo francês, já havia avisado: o homem moderno vive na “sociedade do controle”. E seja em qual modernidade estejamos (pós-modernidade, hipermodernidade, modernidade líquida, e por aí vai) a verdade é que a cada dia mais queremos controlar e, querendo ou não, somos controlados.
“A sociedade de controle não funciona por confinamento, mas por controle contínuo e comunicação instantânea. É evidente que não deixamos de falar de prisão, de escola, de hospital: mas essas instituições estão em crise.”
Gilles Deleuze
Afinal, a necessidade que temos é a de quantificar e produzir. Tudo deve ter um propósito, ser útil, fazer com que não percamos tempo. E nesse contexto, os hábitos de leitura também estão adentrando em um campo perigoso, onde ler mais livros, e de forma mais rápida, está se tornando uma meta em comum.
Cada vez que vejo um curso sobre leitura dinâmica, que ensina a ler freneticamente, fico meio perturbada. Quem não lembra do Luiz, que se tornou um meme após aparecer em uma reportagem dizendo ler 900 páginas por hora. Claro que podemos aprender a ler mais rápido, pois nossa cabecinha evolui.
Mas será que isso não retiraria todo o prazer da leitura?
E podemos adicionar a este panorama os aplicativos que ajudam a organizar nossas leituras, os quais, confesso, uso quase diariamente. Marcar mais um livro “lido” no Skoob é delicioso, assim como alcançar as metas que nós mesmos estipulamos. Quem já não testou a projeção de tempo para ler determinado livro. 12 horas? Ah, vou levar 2 semanas então. Ótimo para o planejamento.
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Mas é claro, desde pequenos somos incentivados a ler mais. Pais e professores nos oferecem vários livros, ganhamos pontinhos no boletim por cada obra lida, ou um certificado na biblioteca por ser a maior leitora da escola. Entretanto, será que existe uma linha tênue entre incentivar a leitura e programar crianças para fazerem da leitura uma competição? Será que vale a pena pagar um adolescente por cada livro lido, como já vimos por aí? Ou criar metas e ferramentas em aplicativos para se ler mais rápido, de forma mais eficiente?
Me parece que estamos caminhando para um lugar onde não existe mais o hábito de pegar um livro e simplesmente nos deliciar com as palavras, sem saber se será o quarto livro do ano ou quantas páginas vou ler por minuto. A ansiedade está batendo na porta dos leitores.
Slow Reading: Os Beneficios e O Prazer da Leitura, de John Miedema
Inclusive, isso já vem sendo discutido há algum tempo. O livro Slow Reading: Os Beneficios e O Prazer da Leitura, de John Miedema, trata da “leitura lenta”, concentrada, sem interferências tecnológicas. Para o autor, ler exige dedicação e paixão, e não contabilidade e obrigação.
Ler deveria ser uma atividade de lazer, um momento de você com você mesmo, sem a necessidade de mostrar ao outro o quanto você está lendo. Claro, existe toda a questão da sociabilidade da leitura, que a tecnologia contribui imensamente, na qual trocar figurinhas sobre livros é divertido e necessário. Mas há uma diferença entre a conversa sobre livros e a sua capitalização.
Faço essas considerações com o coração e mente aberta. E não sei as respostas, já que eu mesmo estou inserida nesse sistema complexo. O que eu faço é tentar, cada vez mais, ler o que eu quero, conforme o meu desejo. Vario de “Cem anos de solidão”, que me exigiu uma leitura super atenta, a um livro de comédia romântica, que não me pede tanto esforço. Mas cada um é cada um. Deveríamos fazer o que o livro pede, e não o que o algoritmo ou as metas nos exigem. Ler deveria ser um prazer, e não mais um check diário na nossa programação.