“Somos animais poéticos”: obra retrata a arte, os livros e a beleza em tempos de crise

Numa formulação certeira, o líder ianomâmi Davi Kopenawa afirmou que “os brancos não sabem sonhar” — e o resultado dessa incapacidade se traduz na destruição das florestas, na poluição dos rios, na morte de muitas espécies, levando o planeta e todos os seres que nele habitam à beira da extinção. Como um antídoto a essa “ausência de sonho”, o que a antropóloga e pesquisadora das práticas de leitura Michèle Petit faz em Somos animais poéticos: a arte, os livros e a beleza em tempos de crise é iluminar o modo como a literatura — oral e escrita —, e outras formas de arte a elas associadas, podem nos ajudar a recuperar nossos desejos, e a nos conectar conosco e com o mundo à nossa volta.

Longe de qualquer abordagem maniqueísta, Somos animais poéticos desdobra e aprofunda os temas que tornaram sua autora uma referência mundial nos estudos sobre a leitura, a função das bibliotecas e dos mediadores culturais nos mais diferentes contextos. Dando voz tanto a artistas consagrados como a pessoas anônimas, muitas delas sobreviventes de grandes catástrofes — como a recente pandemia da covid-19, também discutida aqui —, este livro é ele próprio uma afirmação do poder da arte e da beleza, bem como da necessidade que todos temos de, como queria Rimbaud, “reinventar a vida”.

Na orelha do livro, Cristina Pietraroia conta que “Em Somos animais poéticos, Michèle Petit reúne os textos de algumas de suas conferências mais recentes, que abordam temas diversos, como a arte e o belo, as línguas, a leitura e os livros, as bibliotecas e a cultura, os contextos de crise.” Porém, o mais importante é do livro é pensar no papel da arte e da poesia:

Mas um fio percorre e costura todo o livro: o de que somos “animais poéticos”, ou seja, precisamos da poesia e da beleza em nossas vidas para sobreviver em contextos difíceis, superar traumas e adversidades, nos reconhecermos como indivíduos que têm valor e, portanto, direito à existência, para “domesticar a estranheza da vida e da morte”, sendo, muitas vezes um “antídoto ao horror”.

Para ela, é “desde os primórdios, [ que] o ser humano sentiu necessidade de ter contato com a beleza, desenhando seu mundo nas cavernas, esculpindo, bem mais tarde, o mármore, expressando sua subjetividade por meio da pintura e das artes plásticas em geral. Para Petit, a beleza que emana dessa representação do mundo pela arte faz com que o homem se sinta em sintonia com seu próprio entorno e se dê conta de que tem direito a ele, que ele lhe pertence. Além disso, “a beleza traz doçura ao mesmo tempo que acalma, acolhe, traz de volta a capacidade de sonhar, mas também permite dar forma e sentido a acontecimentos insanos, pensar o impensável em vez de se tornar para sempre prisioneiro dele. Reunir os fragmentos, reordená-los num todo. Reaprender a dizer ‘eu’”.”

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Para quem não conhece a autora, Michèle Petit é antropóloga, pesquisadora do Laboratório de Dinâmicas Sociais e Recomposição dos Espaços, do Centre National de la Recherche Scientifique, na França, no qual ingressou em 1972. Desde 2004 coordena um programa internacional sobre “a leitura em espaços de crise”, compreendendo tanto situações de guerra ou migrações forçadas como contextos de rápida deterioração econômica e grande violência social.

Com obras traduzidas em vários países da Europa e da América Latina, Michèle Petit já lançou no Brasil Os jovens e a leitura (2008, Selo “Altamente Recomendável” da FNLIJ), A arte de ler (2009), Leituras: do espaço íntimo ao espaço público (2013) e Ler o mundo (2019), todos pela Editora 34.

“A literatura tem justamente o poder de criar espaços e paisagens que nos atraem e passam a ser nossos por nos oferecer um mundo em que há respeito, consideração, encantamento, ou seja, o oposto do mundo que está voltado ao utilitarismo, ao lucro, à rapidez, e no qual as pessoas estão “distraídas, desatentas, impacientes”, como afirma Jean-Christophe Bailly, citado por Petit.”, completa Cristina Pietraroia

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Michèle Petit
Somos animais poéticos:
a arte, os livros e a beleza em tempos de crise
Tradução de Raquel Camargo
192 p.
14 x 21 cm
250 g.
ISBN 978-65-5525-194-4
R$ 65,00


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