Quem são as mulheres que entraram em domínio público em 2018 (e você precisa conhecer)

[Publicado em HuffPost Brasil, por Andréa Martinelli]

Alice Babette Toklas, Anna Wickham e Kathleen Scott. Elas são as mulheres que, em 2018, tiveram suas obras colocadas em domínio público. Ou seja, suas criações tanto de arte, cinema e literatura podem ser usadas livremente por qualquer pessoa, sem restrições, pagamento ou autorização. Três mulheres, três histórias diferentes que tiveram seu brilho apagado pela História e merecem ser conhecidas por todos.

Toklas, uma escritora apaixonada que ficou à sombra da também aclamada escritora Gertrude Stein, até escrever o seu primeiro livro; Wickham, uma poeta britânica que, com medo de ser perseguida pelo ofício de escrever, se escondia atrás do pseudônimo de Edith Alice Mary Harper. E, Scott, uma escultora igualmente britânica que ficou conhecida como “a esposa do capitão britânico Robert Scott”.

Em geral, os países tornam uma obra pública no primeiro dia do ano seguinte em que se completam 50 ou 70 anos da morte do autor (aqui no Brasil, são 70; nos EUA, isso varia de acordo com o ano em que a obra foi produzida). Seguindo as regras próprias dos países de nascimento dos autores, em 2018 caem em domínio público as obras das autoras citadas acima, de René Magritte, nas artes; Alister Crowley, Winston Churchill, Che Guevara e outros.

A partir de agora, o trabalho das três podem ser reproduzidos livremente. Isso significa que, se você copiar a obra, não vai mais estar infringindo direitos autorais – você agora é livre para se inspirar, reproduzir, copiar, criar obras derivadas, remixar e o que mais lhe vier à cabeça. Conheça a história dessas mulheres:

Alice Babette Toklas

Author Gertrude Stein (L) sitting with Alice B. Toklas (R) at a villa. (Photo by Carl Mydans/The LIFE Picture Collection/Getty Images)

Alice B. Toklas é lembrada por duas coisas: ser o grande amor de Gertrude Stein e escrever seu livro de receitas incomum e reverenciado, relatando trechos de sua vida ao lado de Stein. Atuando como confidente, amante, cozinheira, professora e editora, Toklas permaneceu à sombra de Stein, até a publicação de um livro de memórias, em 1933, com o título A Autobiografia de Alice B. Toklas, que passou a ser o livro mais vendido de Stein.

A narradora do livro é Toklas, o que lhe permitiu falar de si própria em terceira pessoa e claro, tecer elogios a si mesma sem falsa modéstia. A escritora sabia da importância da sua obra e de seu círculo de relações. É atribuída a ela a expressão “lost generation” (geração perdida), que classificava um grupo de escritores americanos – como Ezra Pound, T. S. Eliot, Hemingway e Fitzgerald– que viveram na Europa entre a Primeira Guerra Mundial e a Crise de 29.

Em 1954, Toklas publicou um livro próprio, The Alice B. Toklas Cookbook (O livro de cozinha de Alice B. Toklas), que misturava reminiscências e receitas. Uma das receitas mais famosas é a “Haschich Fudge”, uma mistura de frutas, nozes, especiarias e “canibus sativa” [sic], nome científico para a maconha. Pela receita, seu nome foi mais tarde emprestado à gama de misturas de cannabis nos Estados Unidos, “Alice Browns Browns”. Em 1963, Toklas publicou sua autobiografia What Is Remembered (O que é lembrado, em tradução livre), que termina abruptamente com a morte de Stein.

“Ela era uma presença marrom dourada, queimada pelo sol toscano e com um brilho dourado em seus cabelos castanhos. Ela estava vestida com um terno de veludo marrom quente. Ela usava um grande broche de coral redondo e, quando falava, muito pouco ou se ria, um bom negócio, pensei que a voz dela veio desse broche. Era diferente da voz de outra pessoa – profunda, cheia, aveludada, como uma grande contralto, como duas vozes”, escreve Toklas sobre Stein.

Em 8 de setembro de 1907, seu primeiro dia como expatriada norte-americana em Paris, Toklas conheceu Stein. As duas se apaixonaram instantaneamente e permaneceram juntas durante 39 anos, até a morte de Stein. Stein costumava se referir a Toklas como sua esposa e quando escrevia para ela, a chamava de “amor precioso”. Escrevendo até tarde da noite, a autora gostava de deixar bilhetes ao lado do travesseiro para Alice encontrar pela manhã, assinados como “YD” (abreviação para “sua querida”, em português).

Anna Wickham

Poet Anna Wickham (1884 – 1947) in her kitchen, where chores that need doing compete for her time with writing verse, 27th April 1946. Original publication: Picture Post – 4063 – Anna Wickham: A Poetess Landlady – pub. 1946 (Photo by Kurt Hutton/Picture Post/Hulton Archive/Getty Images)

Anna Wickham é o nome artístico da poetisa britânica Edith Alice Mary Harper. Nascida em Wimbledon, em 1883, na Inglaterra, ela cresceu na Austrália, onde frequentou escolas em Brisbane e Sydney. Foi só em 1905 que Wickham retornou a Londres onde, além de criar seus poemas e engajar no meio literário, também estudou canto lírico. Ao conhecer o advogado Patrick Hepburn, ela se casou e parou de cantar. Mas a não abandonou a poesia.

Ela teve quatro filhos com Hepburn e começou a escrever com seriedade durante o período em que estava casada. Em 1911, Wickham lançou sua primeira coleção de versos, chamada Songs, com o pseudônimo de John Oland. Neste mesmo ano ela também foi internada por seis meses em um hospital psiquiátrico, após ter se desentendido com seus pais, e ter sofrido dois abortos. Em suas obras autobiográficas, ela atribui esse período à oposição que seu marido fazia à sua atividade literária.

Suas outras publicações, The Contemplative Quarry (1915) e The Little Old House (1921) foram publicados pela livraria de poesia de Harold Monro, já sob o pseudônimo de Edith Alice Mary Harper. À época, a poesia lírica e francamente feminista de Wickham atraiu a atenção de Louis Untermeyer, crítico poeta e tradutor, que republicou seu trabalho nos Estados Unidos. Thirty-Six Poems(1936) foi a ultima obra publicada antes de seu suicídio, em 1947.

Segundo a ONG Poetry Fundation, a poesia de Wickham “é notável por sua flexibilidade consumada no uso de formas de verso rimado e pelas energias epigramáticas de suas críticas feministas de relações sociais e conjugais convenção”. Além dos poemas e ensaios que escreveu, o livro The Writings of Anna Wickham (editado por R. D. Smith, 1984) contém um longo fragmento de sua autobiografia.

Kathleen Scott

A escultora britânica Kathleen Scott, nasceu em 27 de março de 1878. Ela circulou no meio artístico, alcançou notoriedade e conviveu com outros artistas como Auguste Rodin e J.M Barrie. Mas, atualmente, é comumente definida como “a esposa do explorador antártico, o capitão Robert Falcon Scott” e por seu segundo casamento, com Edward Hilton Young, quando recebeu o título de “Baronesa Kennet”.

Mas ela foi muito mais do que isso.

Muito antes de se casar, a artista, batizada de Edith Agnes Kathleen Bruce, nasceu em Nottinghamshire, na Inglaterra. A mais nova de onze filhos, ela cresceu e direcionou seus estudos para a escola de Belas Artes, em Londres. Em 1902, foi convidada por Auguste Rodin para a Académie Colarossi em Paris, onde desenvolveu ainda mais suas técnicas. Mais tarde, devido ao seu trabalho, ela se tornou membro da Sociedade Internacional de Escultores, Pintores e Ilustradores.

Filha de seu segundo casamento, Louisa Young, é autora do livro A Great Task of Happiness: The Life of Kathleen Scott (A grande tarefa da felicidade: A vida de Kathleen Scott, em tradução livre), que conta a história de Scott baseada em diários que começou a escrever assim que Robert Scott, seu primeiro marido, saiu para a expedição no ártico.

Segundo o livro, que ainda não foi traduzido para o português, ela era uma mulher independente, enérgica e apaixonada por arte. Por isso, seu espírito foi considerado “masculino” por alguns. Bernard Shaw, por exemplo, certa vez, afirmou equivocadamente que a amizade entre eles foi o mais próximo que chegou da homossexualidade.

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