Assim como aconteceu no Brasil e na Argentina, houve ditadura militar no Uruguai entre 1973 e 1985. Assim como aconteceu no Brasil com Dilma Roussef, em 2010 foi eleito para a presidência do Uruguai um homem que foi preso durante a ditadura. Assim como aconteceu na Argentina com o Papa Francisco, o presidente do Uruguai renunciou a todas as regalias do cargo. Essa curiosa mistura de Dilma com o Papa é o merecidamente admirado José ‘Pepe’ Mujica, foco do documentário “Os Sonhos de Pepe”.
José Alberto Mujica Cordano foi presidente da República Oriental do Uruguai entre 2010 e 2015. O documentário o acompanha durante diversas viagens oficiais pelo mundo, do Japão à sede da ONU em Nova York, passando pelo Brasil e pela Europa.
Mujica defende seu estilo de vida com uma reflexão: se a democracia é o governo de quem é escolhido pela maioria, então quem é eleito deveria viver como a maioria, não como uma minoria de ultrarricos. Pepe e sua esposa, também da política, vivem na zona rural de Montevidéu e sobrevivem com o que ganham vendendo as flores que cultivam a partir de uma técnica que aprenderam com japoneses que vivem próximos deles. Mais do que exemplo de humildade, são exemplos de sustentabilidade.
Essa não é a primeira vez que o cinema se volta para a história de vida de Mujica. O filme “Uma Noite de 12 Anos” (2018), dirigida por Álvaro Brechner e baseada no livro de memórias de dois companheiros de cárcere de Mujica, Mauricio Rosencof e Eleuterio Fernández Huidobro, tem no papel de Mujica o ator espanhol Antonio de la Torre Martín, que detém o recorde de indicações no Prêmio Goya, o Oscar do cinema espanhol.
Além das filmagens das andanças de Mujica, o documentário conta com algumas animações que parecem ter sido feitas por inteligência artificial, em especial uma sequência com formigas gigantes – o que não é necessariamente ruim, mas curioso. Na trilha sonora, se mesclam músicas originais de Mauricio Trobo com canções instrumentais como “Nessum Dorma”, da ópera Turandot, que adiciona pompa e circunstância, e “O Trenzinho do Caipira”, do nosso Villa-Lobos, que adiciona celeridade e ritmo.
Em seu discurso, Mujica diz que a social-democracia foi inventada no Uruguai. Tal sistema sociopolítico prevê intervenções do Estado para garantir o bem-estar do povo. Ela, contudo, não foi inventada no nosso pequeno país vizinho: sua gênese é encontrada na França do século XIX, na pena do teórico Ferdinand Lassalle. Mas, sem dúvida, é o exemplo do Uruguai num passado próximo que mais exemplifica o sucesso da social-democracia. Em fevereiro deste ano, o país foi classificado como a 14ª democracia mais plena do mundo, e primeira da América Latina, ao lado da Costa Rica.
Pepe diz que o amor é o motor da vida. É até clichê falar de uma política do amor para combater tanto ódio que vamos enfrentando nos últimos anos. Mas é esse discurso de amor que chamou a atenção pela primeira vez do diretor Pablo Trobo quando este trabalhou como cinegrafista na campanha presidencial de Mujica. Trobo é também cinegrafista, produtor e editor do documentário.
Algumas frases de Mujica – sobretudo acerca de ecologia, guerras, globalização e a necessidade de seguir em frente – se tomadas isoladamente podem soar como autoajuda ou frases motivacionais baratas, de tão óbvias que soam. Entretanto, precisam estar na boca de um representante do povo porque ainda há muitos que não entenderam o básico sobre viver e conviver em sociedade. E essas frases acabam dando a ideia que lá no fundo já sabemos: seja dentro de um avião para uma viagem intercontinental ou dirigindo de seu fusca 1987 azul, Pepe Mujica é uma figura inspiradora.
Veja o trailer de “Os Sonhos de Pepe”:
Ajude a manter o Nota vivo! Contribua no Apoia.se!