Havia alguns anos que eu queria conhecer Nápoles. A motivação era conhecer a cidade-personagem dos livros da escritora italiana Elena Ferrante e entender como poderia me aproximar das personagens que tanto me encantaram. A chance surgiu no último outubro e, como preparação para essa jornada pela Itália, decidi ler o livro Para além das margens: a Itália de Elena Ferrante, da escritora Isabela Discacciati (Editora Bazar do Tempo, 2024).
Uma exploração literária e cultural
Isabela produz conteúdo sobre a obra de Ferrante e literatura italiana no perfil do Instagram @clubeferrante. Com o esse conhecimento e o de quem mora na Itália há muitos anos, a autora faz um recorrido pelas principais cidades citadas na Tetralogia Napolitana – Nápoles, Ischia, Pisa, Florença e, novamente, Nápoles.
Além de contar com a memória do período em que residiu em algumas das cidades, como Florença e Pisa, Isabela também viajou para esses locais. Essas vivências permitem a Isabela traçar paralelos entre ficção e realidade, literatura e cultura, identidade e estranhamento. O que é apenas citado em Ferrante ganha contexto e profundidade com o repertório histórico, geográfico e cultural, possibilitando novas interpretações do texto ferrantesco.
Outros personagens de Para Além das Margens
Durante a sua jornada investigativa, Isabela conheceu personagens interessantíssimos, como a dona da pensão cuja mãe interagiu com o jovem Truman Capote enquanto ele passou uma temporada em Ischia. Ou ainda a senhora Tarantina Taran, o último femminiello de Nápoles. A autora também conversou com moradores do Rione Luzzatti, um bairro no subúrbio napolitano que serviu como inspiração para a construção das bases da Tetralogia Napolitana.
Essas histórias, especialmente as dos moradores, revelam como o fenômeno literário e midiático da Tetralogia Napolitana e sua adaptação para TV afetam a vida cotidiana de uma comunidade marcada por desafios econômicos e sociais. Um choque de realidade ao universo literário, portanto.
Entrelaçamento de histórias
Para além das margens também é uma história pessoal. Nela, a autora fala da sua própria trajetória, de quem chegou à Itália ainda estudante e foi criando seus espaços e afetos em território estrangeiro. A trajetória de Isabela ecoa de maneira curiosa o percurso de Lenu, a narradora de A Amiga Genial, especialmente nos momentos vividos em Pisa e Florença. Esses paralelos tornam as reflexões da autora ainda mais íntimas e fortalecem o vínculo entre a literatura e a vivência pessoal. Assim, por meio da descrição de seus sentimentos ao chegar nessas cidades e suas lembranças sobre o tempo, a distância e a paisagem, ela amplia a pessoalidade das geografias e das histórias ferrantescas, nos lembrando de que a literatura é vida e, sobretudo, a vida é literatura.
Viajar com Para Além das Margens
Por fim, fui a Nápoles e segui o percurso de Isabela pela cidade, o que enriqueceu a minha experiência. Para quem viaja com o livro, talvez a edição pudesse contar com um mapa simplificado das cidades com a inclusão dos pontos visitados. Isso facilitaria a visualização espacial das cidades. No entanto, esse detalhe não atrapalha em nada a leitura. Para além das margens por si só é uma viagem, um decolar para outras fronteiras, tanto as externas, quanto as internas da gente mesmo.
Sobre a autora
Isabela Discacciati nasceu em Barbacena, Minas Gerais, em 1981. É formada em jornalismo e relações públicas pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e especialista em cultura italiana pela Universidade Ca’Foscari de Veneza. Produz conteúdo sobre a obra de Elena Ferrante e literatura italiana no perfil do Instagram @clubeferrante. Atualmente, mora em Treviso, Itália.