Meu Casulo de Drywall (2023) – Entre o excesso e a sutileza

No livro Afinal, Quem Faz os Filmes?, de Peter Bogdanovich, o diretor americano Allan Dwan apresenta sua visão sobre a atuação para cinema: “O gesto amplo, o tipo de apresentação que rouba a cena, nunca me apeteceu. Gosto do gesto pequeno […] pois dar demais ao público é insultá-lo. A audiência precisa trabalhar.” Meu Casulo de Drywall é um belo exemplo do “gesto pequeno” que funciona, mas também do “gesto amplo” que ameaça tomar conta de tudo.

Isso pois a trama, roteirizada e dirigida por Caroline Fioratti, tem muito a dizer sobre temas pertinentes à sociedade mas, para fazê-lo, acaba retirando seus personagens de certa interioridade, os tornando meros veículos de discurso, com cada um sendo símbolo dos problemas que acometem o Brasil como um todo, e que se intensificam no microcosmo do condomínio onde a trama se passa, ainda mais diante da tragédia estopim do filme, a morte de Virginia (Bella Piero), durante sua festa de aniversário de 17 anos.

Meu Casulo de Drywall aposta em uma estrutura não-linear para abordar as mazelas que cercaram o acontecimento, incorporadas em amigos e familiares de Virgínia. Sua mãe, Patricia (Maria Luísa Mendonça), sofre nas mãos do marido, um distante e violento juiz, a melhor amiga Luana (Mari Oliveira), por ser a única negra do condomínio de classe alta que habitam, não é muito bem vista por alguns, mesmo que seu corpo seja desejado por essas mesmas pessoas e Nicolas (Michel Joelsas), namorado de Virgínia, esconde sua sexualidade e as marcas da agressão que sofre nas mãos do pai.

Em suma, esses personagens se resumem, em grande parte, aos seus sofrimentos, e a trama vai a certos extremos para apontar as marcas que isso deixou em suas psiquês, beirando o absurdo. Por exemplo, uma cena envolve Nicolas forçando Virginia a colocar uma arma na boca enquanto tentam transar, embalado por uma trilha orquestral que torna tudo ainda mais ridículo.

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É importante destacar que o absurdo, por si, não é demérito no cinema, mas em Meu Casulo de Drywall, revela um problema de entender o tom da história, que se apresenta como uma séria exploração de problemas psicológicos e sociais, o que subtrai até mesmo de algumas decisões interessantes que toma, como as feridas que progressivamente aparecem em Virginia ao longo da festa, sem que ninguém perceba. Uma clara metáfora visual para seu estado mental, mas que perde a força por soar deslocada dentro da proposta, e também pelo fato da Virgínia ser pouco explorada: em vida, ela não deixa marcas na história, pois suas próprias dores são poucos abordadas.

Esse tratamento “mão pesada” do filme contrasta com os homens mais sutis, que são emocionalmente mais impactantes. Curiosamente, quem protagoniza esses momentos é o personagem Gabriel (Daniel Botelho), cuja postura aparenta ser mais extrema, frequentador de fóruns de redpill, contudo, é dele os momentos mais sutis, como a humorosa, mas melancólica relação que tem com a mãe, cujo distanciamento da realidade do filho é revelado a partir de pedidos completamente desconexos do comportamento do jovem, ou até um momento que compartilha com Virgínia, explicitando um passado juntos até então desconhecido.

Meu Casulo de Drywall se equipara a trabalhos audiovisuais recentes, como Uma Família Feliz (2023), que se concentram no ecossistema de um condomínio fechado para tecer comentários sobre a sociedade brasileira como um todo, uma ideia pertinente, mas que nenhum dos dois elabora de modo eficaz. Meu Casulo possui, ao menos, alguns momentos que revelam a potência do cenário, algo que falta ao filme estrelado por Grazi Massafera, mas que perdem o seu brilho diante de outras sequências.

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