5 motivos para ler ‘Conjugado’, livro de Luiz Antonio Ribeiro

Conjugado é o romance de estreia de Luiz Antonio Ribeiro que acaba de ser publicado pela Editora Patuá. Não que a sua qualidade de “romance de estreia” diga alguma coisa diferente sobre o Luiz que, há anos, escreve para sua companhia de teatro TVNI (Teatro Voador Não-Identificado) e para este site, o NotaTerapia. Luiz é um autor daqueles que tem sempre uma crônica para tirar da manga, o que faz com que classificá-lo como um romancista em “estreia” não faça tanto sentido.

De qualquer maneira, essa matéria é uma resenha-convite para ler Conjugado. Proposta também afetiva de alguém que pôde acompanhar o trabalho do Luiz em todas as interfaces e que, por isso, pode dizer que seu romance é uma das suas vias de expressão do seu já longo percurso em escrita – sem a intenção de hierarquizá-las. No entanto, como não poderia ser diferente, na matéria de um livro-romance a escrita do Luiz toma um corpo especial.

Seguem então cinco motivos para ler Conjugado que, por mais que não sejam de fato separáveis um do outro, são os aspectos que mais saltam do livro de Luiz Antonio Ribeiro:

Um livro sobre confinamento

Conjugado é a história de um cara que vive num espaço de 17 metros quadrados, narrada por ele mesmo depois que coisas em seu apartamento começam a mudar de lugar. Ou assim ele acha. “Alguém vai lá e mexe”, ele pensa, não some com nada, apenas: mexe. E a partir disso o narrador voluntariamente se confina no conjugado, recebendo comida do pizzaiolo-entregador Dez Dentão (Dezde, para os íntimos), e contando (sobre) as pessoas e as coisas. Sua história é alinhavada num conjugado onde paredes, corpos e palavras parecem ser as únicas margens que permitem que o narrador não se funda completamente ao seu entorno.

Onde pensá-los na sua diferença, como caricaturas, como metonímias – o velho polaco de vida “Sérvia”, o entregador e seus dentes, Silvio e sua cabeça gigante – seja ainda a única forma de não torná-los parte do seu próprio apartamento, seu corpo, sua vida, onde as coisas fatalmente mudam de lugar e se ausentam. Antes de uma quarentena se impor coletivamente para (quase) todo mundo nesse século, o confinamento (voluntário ou não), já era parte da vida de muitas pessoas, das quais eu acho que o narrador de Conjugado pode ser um exemplo criativo. Como ele mesmo diz: “Que o grande motivo de ir pra rua era a casa.”

Um livro que escuta a vida abundante das palavras

E contei um a um todos os meus objetos

Quando o narrador de Conjugado fica em casa para impedir que mexam em suas coisas (e aí faço convite para que isso seja lido também metaforicamente), as palavras também se tornam objetos a cuidar. O verbo “contar” tem um duplo-sentido, podendo ser “narrar” e “enumerar, calcular, somar”, e dizem os etimólogos que a raiz latina da palavra (“computare”) acena mais para a segunda acepção. Dá então para dizer que a soma tem uma relação íntima com o nascimento de uma história? A abundância de acontecimentos, de objetos a serem contados?

Tendo isso em vista, salta de Conjugado então a disposição do narrador que, em sua claustrofobia, no seu espaço mínimo, conta sua história ao recolher as palavras e escutá-las na polissemia. É a potência mais familiar da escrita do Luiz, que aproveita as ambiguidades e equívocos possíveis da relação entre a palavra e o sujeito. É de onde também salta o riso, proporcionado por um narrador inventivo.

Um livro sobre como tudo pode ser oráculo

De novo sobre as palavras. O confinamento pode ser um convite para que a própria casa seja ressignificada, que sentidos fixos se desestabilizem. Convida tudo o que já era a ser outra coisa: observar de novo um objeto, ouvir de novo seu vizinho, ver aquela estrela por um outro ângulo, dar a ela um outro nome. Quando o narrador de Conjugado se vê presente continuamente no ecossistema do seu prédio, o que antes era frase de hábito (“A vida é muito Sérvia”, diz o vizinho polaco) é uma outra rua a se perseguir, outro caminho para se caminhar, e cabe ao narrador capturar sua volatilidade. Como toda repetição pode ser um oráculo para quem está doido para ouvir outra coisa.

Quando ele disse:
Antes que chova, anchova:
Eu entendi na hora só não quis comentar nada nem escrever
nem pensar muito nisso porque pegava mal ficar racionalizando oráculos dos outros.
Afinal, oráculos no dos outros é refresco.

Um livro sobre sumiços

Para não cair em redundâncias sobre a história, que literalmente nasce que objetos que são mudados de lugar, é possível dizer que o sumiço é o que aparece no raio-x de Conjugado, a fotografia negativa da sua inventividade. A narrativa parece um encontro com vários sumiços (alguns que se consumam), que instigam no personagem sua disposição mais cuidadosa para cuidar de seus objetos, seus vizinhos, sua janela. Vários vazios que nascem de espaços claustrofóbicos e que forçam o narrador ao seu encontro repetidas vezes. Uma coisa estava lá e agora não está. Antes tinha alguém, e agora não está. O que fazer com isso? A resposta difusa e errante é a história.

Um livro sobre amor

Se a fotografia do romance Conjugado é o apartamento apertado de 17 metros quadrados, e se o seu negativo é o vazio, o amor está na história num lugar privilegiado: aquilo que foge da tentativa de captura. Gosto de pensar o romance do Luiz como uma carta de amor a vários destinatários, conhecidos e desconhecidos, no formato de um livro (agora publicado!) que faz todos caberem no seu apartamento.

O que se diz diretamente sobre o amor em Conjugado vai precisar sumir dessa matéria. Justamente como uma forma de convite para que a história seja lida onde está, no seu lugar próprio. Mas digamos que tem algo a ver com tornar limites e corpos translúcidos, perguntando se as paredes fixas de um conjugado estariam dispostas a ser outra coisa. Como um livro.

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