Uma nova cosmologia para ver o mundo: o livro africano sem título – Cosmologia dos Bantu-Kongo, de Bunseki Fu-Kiau

o livro africano sem título

Antes de começar a falar diretamente sobre o “livro africano sem título” de Bunseki Fu-Kiau, gostaria de informar que fiz apenas uma única leitura deste texto e que claramente não é suficiente.

Este é um texto que precisa se tornar companhia de cabeceira para consultas recorrentes todas às vezes em que o leitor julgar necessário repensar/compreender novos conceitos ou para descobrir que há mais coisas entre a cultura ocidental e a cosmologia bantu, do que supunha a sua vã filosofia.

Dito isto, posso seguir fazendo um breve passeio por entre as páginas desta, que considero, um dos mais importantes textos sobre filosofia africana, que finalmente foi traduzido e publicado no Brasil, pela editora Cobogó. Um presente ancestral que se apresenta nas prateleiras virtuais e físicas neste momento e nos oportunizam um contato único com saberes que nos foram roubados pelo perverso processo de colonização.

“Esses europeus escreveram sobre a cultura do povo dessa área, incluindo os/as Bantu-Kongo, sem saber, mesmo que superficialmente, qualquer idioma africano, o instrumento mais importante das pessoas para a comunicação cultural e o aprendizado social de padrões e comportamento”(p. 63)

Um conjunto de saberes e o desenvolvimento de um sistema que exige do leitor um certo desprendimento do que foi aprendido até aqui e, ao mesmo tempo, uma abertura intelectual para conhecer e aprender uma cultura que não é oriental, mas, como o próprio autor informa, é africana. E essa informação faz toda a diferença.

“A salvação africana não virá nem do Oriente, nem do Ocidente. Ela é totalmente um assunto africano” (p. 70)

Isso exige desenvolver um pensamento para além dos limites da educação bancária, conteudista, higienista e preconceituosa. É preciso se livrar das amarras do aprendizado colonizador que nos impõe uma binaridade que nos limita a sim e não; ao é ou não é; ao ir e vir.

“Eis o que a cosmologia Kongo me ensinou: Eu estou indo-e-voltando-sendo em torno do centro das forças vitais. Eu sou porque fui e re-fui antes, de tal modo que eu serei e re-serei novamente”.

São quase 200 páginas de explicações e composições sobre a cosmologia Bantu que nos conduz por aprendizados sobre um povo que tem sistemas e saberes próprios, que prezam pela tradição oral e que estão longe de uma ideia relacionada a um primitivismo e falta de intelectualidade. Muito pelo contrário, entender o sistema Bantu de existir é essencial para desfazer a ideia colonizadora de que o mundo europeu possui a chave de todo conhecimento. É lamentável que não tenhamos tido acesso antes.

Como o próprio autor informa, apenas a partir de 1966, quando “parte considerável da faixa territorial Bantu” foi liberada, é que o mundo pode ter acesso a cosmologia Bantu, entretanto ela ainda não é totalmente compreendida. A literatura ocidental expressou muitas vezes uma “África” fantasiosa e longe da realidade na qual, os africanos, e nesse caso, o povo Bantu, de fato vivencia e se manifesta.

O “livro africano sem título” nos aproximou mais de uma África que é real, ancestral enquanto descendentes em diáspora e conhecer parte de nossas histórias em toda sua complexidade.

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