Há de se apreciar a capacidade de síntese do título de Cidade; Campo. O simples uso da pontuação já traduz o espírito da narrativa. O ponto e vírgula representa uma pausa maior que a vírgula, mas não tão definitiva quando o ponto final. “Usado para comparações e contrastes”, conforme me informa o Brasil Escola. Comparações e contrastes, justamente o coração da nova obra da diretora Juliana Rojas.
Assim como seu nome, é uma obra dividida em dois. Num primeiro momento, somos apresentados a Joana (Fernanda Vianna) que chega em São Paulo em busca de familiares, mas não se trata de um reencontro feliz: após o estouro de uma barragem, sua casa no interior mineira foi destruída pela lama, uma vida inteira varrida do mapa, que deve agora ser reconstruída, longe das suas raízes, mas pelo menos ao lado da família.
Para os conhecedores dos filmes prévios de Rojas, há certa familiaridade aqui, se aproximando de obras como Trabalhar Cansa e Sinfonia da Necrópole, analisando as idiossincrasias da vida urbana, mas agora, pelo filtro de uma personagem rural. “Tem alguém que sorri enquanto limpa janela?” declara, enquanto Jaime (Kalleb Oliveria) tira uma foto da mulher para colocar no aplicativo “Diarex”, uma espécie de Uber para empregadas domésticas, única oportunidade de emprego que encontra de modo rápido.
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Na história de Joana, o campo é uma memória distante. Só vemos seu antigo lar por meio de fotos ou sonhos, o máximo que ela consegue de conexão com suas raízes de modo físico é uma pequena horta que começa a cultivar, representando um momento de pausa na sua rotina, que é marcada pela precarização. O trabalho de Rojas sempre foi marcado por críticas àlógica capitalista, e isso segue aqui, evidenciando o desamparo encarado por essas profissionais, isso é feito tanto de modo concreto, mostrando que a empresa não procura cuidar do bem estar de seus funcionários, como no campo mais sobrenatural, com uma voz misteriosa que pede que Joana descanse.
Um momento particular evidencia as dificuldades que Joana encara em sua adaptação. Enquanto fala de sua antiga rotina na fazenda, detalhando todas as atividades que fazia, com certo orgulho e empolgação na voz, uma montagem do seu trabalho atual está na tela. O contraste é aparente, se no campo ela trabalhava para si, na cidade a lógica é outra, e seu rosto é marcado pela apatia. O que não significa que Cidade; Campo seja um conto árcade, de pura exaltação ao espaço rural, pois há, também, as pequenas alegrias, como a relação com Jaime e as amizades que faz no trabalho.
E a ideia do campo como espaço seguro é invertida na segunda metade, onde Flávia (Mirella Façanha) retorna para o sítio de seu falecido pai, ao lado da companheira, Mara (Bruna Linzmeyer), fugindo da agitação da cidade e da “vida abstrata” que tinham. Na fazenda, afirma Mara, as coisas são mais palpáveis. Contudo, Flávia passa a ser acometida por visões de seu pai, e a vida pastoral perde sua inocência diante de alusões a problemas bem reais que acometem aquele espaço, como o impacto da plantação de soja. Mas também há espaço para a ternura, com as duas companheiras dançando nuas ao som de uma música romântica.
No díptico de Rojas, esses espaços tão contrastantes se conectam pelo que tem de igual e o que tem de diferente. Ambos são capazes de proporcionar alegrias singulares aquele local, como cantar em um karaokê após o expediente ou admirar um céu estrelado, mas também suas sombras, quase sempre causadas por alguma faceta capitalista. Ambos iguais em suas diferenças.