Anna Akhmátova foi uma célebre poetisa que fez parte da Era de Prata da Poesia Russa, período composto pelos anos finais do século XX até meados de 1920. Nascida em território pertencente à atual Ucrânia, ela vivenciou diversos momentos históricos impactantes como as duas Grandes Guerras, nas quais sofreu grandes perdas de pessoas queridas.
Anna também sofreu perseguições stalinistas, juntamente com outros colegas artistas da época. Muitos foram mortos ou enviados a campos de trabalho, outros recorreram ao suicídio. A editora L&PM pocket publicou, em 2009, a Antologia Poética de Anna Akhmátova, que conta com a apresentação de Lauro Machado Coelho, que também foi o responsável pela tradução.
Confira 5 poemas de Anna Akhmátova!
Seus poemas refletem certo sofrimento e melancolia que são, ao mesmo tempo, individuais e coletivos, uma das razões pelas quais a poetisa ficou conhecida como Anna de todas as Rússias. Preservar estas memórias, ainda que dolorosas, foi crucial para exprimir as lutas de um povo, não deixando que suas histórias fossem esquecidas.
Sua força e coragem são admiráveis, apesar da opressão e do silenciamento que lhe foram impostos, encontramos em sua escrita um grito de vida, algo que nos chama a lembrar-nos de suas memórias e mantê-las como uma maneira de honrar aqueles que experienciaram os infortúnios da época.
Leia, a seguir, alguns de seus poemas:
De ti escondi meu coração
Como se no Nevá o tivesse atirado...
Agora, domada e sem asas,
É em tua casa que eu estou morando.
Mas... na noite escuto um estátilo:
O que há lá no escuro?
- as bétulas de Sheremétiev,
Como deuses lares, chamam-se umas às outras...
Aproximando-se com passos furtivos,
Que soam como o ruído da água,
O negro sussurro da desdita
Inclina-se febrilmente a meu ouvido,
Balbuciando, como se nada mais
Tivesse a fazer do que perturbar-me em meio à noite:
“Desejas um pouco de consolo?
Mas tens ideia de onde está o que te conforte?”
O Veredicto
E a pétrea palavra caiu
sobre o meu peito ainda vivo.
Pouco importa: estava pronta.
Dou um jeito de aguentar.
Hoje, tenho muito o que fazer:
devo matar a memória até o fim.
Minha alma vai ter de virar pedra.
Terei de reaprender a viver.
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À Morte
De qualquer jeito virás – então, por que não vens já?
Estou te esperando: tudo para mim ficou difícil.
Apaguei a luz, abri a porta
para ti, tão simples, tão maravilhosa.
Para isso, toma o aspecto que quiseres:
entra como um obus envenenado,
ou sorrateira qual hábil bandido,
ou como as emanações do tifo,
ou sob a forma daquela fábula que tu mesma inventaste
e que todos já conhecem até a náusea –
na qual torno a ver o topo do quepe azul e,
por trás dele, o zelador pálido de medo.
Para mim dá na mesma. O Ienissêi corre turbulento.
A Estrela Polar brilha no céu.
O brilho azul dos olhos que eu amo
é recoberto por esse terror.
Canção de despedida
Não ri e não cantei:
fiquei o dia inteiro calada.
Mais do que tudo queria estar contigo
de novo, desde o começo.
Irrefletida pela briga,
absoluto e claro delírio;
silenciosa, insensível, rápida,
nossa última refeição.
Primeiro aviso
De que nos importa
que tudo volte ao pó?
Sobre tantos abismos cantei,
em tantos espelhos vivi.
Não sou nem o sonho nem o consolo
e menos ainda o paraíso.
Talvez, mais do que o necessário, te aconteça de relembrar
o sussurro destes versos que se acalma
e este olhar que oculta, bem lá no fundo,
no tremor de seu silêncio,
uma coroa de enferrujados espinhos.