A literatura nacional vem ganhando cada vez mais nomes de destaque e, nos últimos anos, um nome a chamar atenção no cenário literário nacional tem sido a autora gaúcha Fernanda Mellvee. Nascida na cidade de Porto Alegre, no ano de 1985, Mellvee é graduada em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde atualmente é mestranda em Teoria, crítica e comparatismo. Autora do romance Amarga Neblina, a autora foi finalista da 2ª edição do Prêmio Kindle de Literatura, em 2017, com a publicação deste incrível romance, o qual já resenhamos aqui.
Fernanda Mellvee também foi a vencedora do 2º Concurso de Contos da Feira do Livro de Santo Ângelo-RS, em 2014. No mesmo ano, a autora foi aluna do escritor Luiz Antônio de Assis Brasil, na Oficina de Criação Literária da PUC-RS.
Possui contos e poemas publicados em antologias e atualmente se dedica à escrita de seu segundo livro solo, bem como à tradução de obras literárias.
Como tradutora, Mellvee publicou Damas em Lavanda (disponível também em formato Kindle), tradução do conto de William John Locke: Ladies in Lavender, um conto de fadas na Cornuália (resenha aqui). A edição, publicada pela editora Bestiário, inclui também um ensaio de Mellvee analisando a obra de Locke. Pela Diadorim Editora, Mellvee publicou a tradução de Quatro Contos Tchecos. Ambas traduções contaram com lançamento na Feira do Livro de Porto Alegre.
Além do romance Amarga Neblina, Mellvee também já publicou pela plataforma Kindle as obras A Mágica que Não Pode Acontecer (The Magic That Cannot Happen) (confira a resenha aqui) e O Amante Fantasma (El Amante Fantasma), ambos disponíveis em versões bilíngues na Amazon.
Confira abaixo a entrevista exclusiva que realizamos com a autora e entenda mais do que ocorre por trás da mágica (que sempre pode acontecer) nas obras de Mellvee.
Antes de falarmos sobre suas obras, comecemos pelo início de tudo: o que a levou a começar a escrever?
Eu escrevo ficção desde que fui alfabetizada, quando nem fazia ideia sobre o que era literatura. Na verdade, escrevo desde antes de escrever. Na adolescência, eu ensaiava uns poemas, como todo mundo, e escrevia algum conto, mas sem nenhuma pretensão, nem mesmo escolar, porque nunca (e este é um dos meus maiores ressentimentos escolares) fui estimulada durante a Educação Básica à criação literária. Para tentar superar este trauma, já trabalhei com escrita criativa com alunos de Ensino Fundamental e Médio, e foram experiências lindas.
Já na fase adulta, demorei um pouco para encarar a escrita como uma coisa séria. Apesar de sempre ter ideias para ficção, foi a partir do ingresso no curso de Letras que eu tive contato com teoria literária e, posteriormente, com oficinas literárias, que são fundamentais para quem deseja começar a fazer literatura.
De onde surgiu a inspiração para a escrita do romance Amarga Neblina? O enredo foi planejado do início ao fim, capítulo por capítulo, evento por evento, algo nesse estilo?
Gregory Heresstauss, um dos personagens principais, foi inspirado em Rasputin. A inspiração para o romance veio durante uma tarde, no momento em que assisti a um documentário sobre a Rússia dos Czares, quando eu ainda era aluna da graduação, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Fiquei fascinada pela maneira como um império poderosíssimo sucumbiu aos encantos – se é que podemos chamar de encantos – de uma figura tão excêntrica. Na mesma época, eu cursava a famosa Oficina de Criação Literária da PUCRS, sendo aluna do Prof. Assis Brasil. Ao final do curso, eu já tinha os principais personagens elaborados e um projeto literário que já estava começando a ganhar forma.
Como a maioria das coisas que escrevo, Amarga neblina foi pensada a partir de um projeto (incluindo esquemas rabiscados em qualquer pedaço de papel e inúmeras linhas de tempo). E cada capítulo que eu escrevia era previamente elaborado. Sendo assim, todas as manhãs quando eu sentava na frente do notebook, eu já sabia o que escrever e até onde eu iria chegar naquele dia.
Como foi o processo de escrita do romance? Você escrevia os capítulos quando vinha a inspiração ou sempre buscava escrever, inserindo o hábito em sua rotina?
A inspiração é muito importante, principalmente durante o processo de elaboração das personagens e criação do projeto, mas a partir do momento que se coloca a primeira letra na página em branco, a disciplina é fundamental.
A inspiração pode ser ingrata às vezes. Tem dias, ou, principalmente, madrugadas, que ela surge nos momentos mais impossíveis de se escrever, assim como tem manhãs que a gente liga o computador, dispondo de todo o tempo e tranquilidade do mundo, mas não tem jeito, ela não aparece. Então não dá pra desperdiçar, nem inspiração nem tempo. Se eu estou na rua ou em qualquer situação em que não é possível escrever, procuro manter comigo sempre um bloco onde eu vou anotando as ideias em tópicos. Desse jeito, quase nunca falta matéria para aquelas manhãs cheias de tempo, mas vazias de vontade.
Os nomes escolhidos para os personagens (Gregory Heresstauss, Aurora, Maria Alice, Aninha) têm algum significado especial no romance?
Sim, todos os nomes fazem referência a algum personagem interno, ou externo à obra. Por exemplo, a filha do prefeito se chama Ana (a Aninha), como uma homenagem a uma mulher com quem ele mantém um relacionamento nebuloso. Aurora tem esse nome porque ela é, de certa forma, um fenômeno da natureza, uma força adormecida; Gregory, como eu já havia mencionado, foi inspirado em Gregori Yefimovich Rasputin.
Qual sua maior inspiração para a escrita? Algum autor ou autora em especial? Quais contextos históricos e/ou culturais que lhe inspiram?
Na verdade, não tenho um único autor ou autora que me inspiram. Tenho muitos favoritos, porque sempre tive o hábito de ler um pouco de tudo. Gosto muito dos autores russos e cada vez mais tenho lido (e me encantado) com as autoras, mas não tenho um ou outro que me inspire, embora seja apaixonada pela Maria Luisa Bombal e gostaria muito de escrever como Bábel, nem que fosse só num dia de festa.
Quanto ao contexto histórico de Amarga neblina: houve a transposição de uma história que aconteceu na mesma época em que se passa o romance, do outro lado do mundo. O que eu fiz foi trazer para a Serra Gaúcha um acontecimento semelhante à curiosa chegada de Rasputin à corte russa. Obviamente, não escrevi um romance histórico, apenas me inspirei nesse fato histórico.
Por que a escolha de uma protagonista feminina nas suas obras (Amarga Neblina, O Amante Fantasma e A Mágica que Não Pode Acontecer)?
Quando eu resolvi encarar a escrita como uma possibilidade real, a única dúvida que surgiu foi “devo escrever como mulher, sobre mulher?” ou “fazer literatura para todos?”, mirando naquela história de “literatura universal”. Na época eu ainda não tinha refletido sobre todos os aspectos que a expressão “literatura universal” encerra, mas não lembro de ter decidido escrever como mulher num determinado momento. Isso aconteceu de forma extremamente natural. Quando eu desenhava (o que fazia razoavelmente bem para uma criança) eu sempre consegui desenhar apenas figuras femininas, acho que o mesmo ocorre na criação literária, só consigo desenhar personagens femininas quando escrevo.
Como surgiu a ideia de publicar versões em outros idiomas das obras O Amante Fantasma (disponível também em espanhol na Amazon – aqui vou inserir o link do ebook!) e A Mágica que Não Pode Acontecer (disponível também em inglês)?
A ideia de disponibilizar contos meus em outros idiomas surgiu quando alguns amigos estrangeiros revelaram a vontade de ler os meus textos, mas com a vontade, revelaram suas dificuldades com o Português. E também, porque hoje em dia a internet permite que os nossos textos tenham um alcance que até alguns anos não seria possível. Um dia, um russo escreveu para mim dizendo que adorava os meus textos e que os lia junto com colegas japoneses, durante as aulas de português que cursava no Japão. Na época, eu tinha um blog onde postava contos curtos, poemas, ensaios, entre outros gêneros, mas não fazia ideia de que seria lida do outro lado do mundo, fiquei muito surpresa. E feliz, claro.
Podemos esperar uma versão em inglês ou espanhol de Amarga Neblina em breve?
Ler Amarga neblina em outros idiomas ainda é só um sonho, mas como me considero uma especialista em realizar sonhos, creio que logo veremos Bitter Mist por aí. Por enquanto, fico feliz por com el amante fantasma e ver a mágica acontecendo em Inglês também. E já está em revisão a versão em francês para um outro conto. Não vou dar spoiler, mas está ficando linda a tradução feita pela Aline Pascholati, que além de uma artista plástica talentosíssima, é uma escritora fabulosa.
Quais os planos literários para o futuro? Já está trabalhando em alguma nova obra de ficção? Há previsão de lançamento?
Minha tradução de Amy Foster, novela de Joseph Conrad, está em revisão e, assim como um livro de novelas minhas, que também estou concluindo, deve ser publicada ainda no primeiro semestre deste ano. Tenho alguns outros projetos, mas por enquanto, eles pertencem ao mundo das ideias.