Publicada originalmente em 1919, com o título Ladies in Lavender, na coletânea Far Away Stories, do escritor natural da Guiana Francesa, William John Locke, esta obra foi traduzida pela primeira vez para o Português no ano de 2017, pela escritora Fernanda Mellvee, autora do romance Amarga Neblina, finalista do prêmio Kindle 2017, e também da novela A mágica não pode acontecer, disponível na Amazon. Esta edição, publicada pela editora Bestiário, é acompanhada de ilustrações de Felipe Veeck e também de um ensaio de Mellvee analisando como a narrativa se encaixa no gênero conto de fadas. O que realmente faz sentido, pois se trata mesmo de um conto de fadas bastante inovador e original, pois não se refere ao clássico “jovem princesa sofre, é salva por príncipe e eles vivem juntos felizes para sempre”.
Neste conto, acompanhamos um determinado evento marcante na vida de duas irmãs, já em seus quarenta anos ( idade que nos dias de hoje não é mais considerada avançada, mas que, em 1919, já era o suficiente para que elas fossem praticamente idosas e chamadas na obra de “senhoras”). As duas senhoras são Ursula e Widdington, são irmãs que moram juntas desde pequenas, na casa onde seu pai comprara. O pai falecera e as duas continuaram a morar lá, vivendo da herança, em uma casa isolada no topo de um penhasco a beira do mar.
Elas levam uma vida bastante monótona, até um dia encontrarem um jovem quase se afogando no mar. As duas prestam socorro ao jovem e cuidam dele, que ferira o tornozelo e não falava o idioma das duas senhoras. Cada uma tenta maneiras diferentes de se comunicar com o jovem, e ambas começam a se apaixonar por ele, conforme os dias vão passando. Certo dia, descobrem que o jovem sabe tocar violino, e o encantamento das irmãs com o violinista só aumenta. Ele, porém, parece ter com ambas uma relação de carinho, quase fraternal, pois é grato pelo cuidado que têm com ele.
Toda a narrativa tem uma atmosfera um tanto fantástica, ainda que seus elementos sejam bastante reais, pois a forma como o surgimento do jovem violinista marca a vida das duas senhoras é descrita como se elas fossem duas princesas, solitárias a viver no topo do penhasco, até que surge um príncipe, vindo do oceano. No entanto, quem salva o “príncipe” são elas, e não o contrário, como costuma ocorrer em contos de fadas clássicos.
O conto deu origem ao filme de Charles Dance, O Violinista que Veio do Mar, de 2004. No ensaio incluso nesta edição, Mellvee também compara o conto e o filme, além de analisar a presença de elementos fantásticos em ambos.
Enfim, este é um conto de leitura leve e enredo bastante original, que pode ser lido, como dizia Poe, em uma sentada, e envolve o leitor em uma atmosfera de sonhos e lirismo, este último acentuado pela tradução de Mellvee.