De quando o dinheiro resolveu problemas

O ímpeto inicial, com um título desses, é prontamente já armar as mãos de pedras, erguê-las todas, mirar em mim e depois larga-las de volta ao chão, lembrando-se que para me difamar devidamente nos meios sociais, em especial os que não fogem a uma tela qualquer, é preciso ter as mãos livres e as juntas dos dedos adequadamente lubrificadas para digitar as cabíveis acusações de um homem que se aprontou a fazer um texto em que diz, disparate completo, que o dinheiro resolveu problemas. Ora, antes que chegue o leitor a grandes exaltações, a ponto de trocar as meras pedras pela violência dos teclados, deixe-me justificar as chamativas palavras do título com oportunas considerações de minha pessoa e minhas nobres intenções.

Antes de tudo, não são para mim problemas outros que não a falta de dinheiro. Chama-me atenção a ausência de fundos de pobres, de aposentados, de professores, de operários, de mulheres, de negros, de sindicatos, de atletas, de artistas, de servidores, de doutorandos, de transexuais, de homossexuais, de empregadas, de imigrantes, de povos indígenas, no que diz respeito a terras, e outros tantos grupos e classificações que se encaixem na ausência urgente de dinheiro. Meus camaradas políticos antecessores, grandes mestres, artesãos das ideias e manufatureiros das massas, pensaram com grande pureza de espírito que era a abolição do dinheiro e a fuga de seus estruturais domínios a solução para tantos problemas. Apesar de admirarmos seus trabalhos, contudo, hoje conseguimos chegar às conclusões claras de que o dinheiro é, acima de tudo, a própria solução de suas seletas ausências.

Ora, o processo é simples, mas para que aconteça precisamos tomar providências que antecedem à moeda. Quem, leitor, seria o predecessor do ouro senão o poder? Portanto, para que coloquemos mãos às minas, primeiro damos a elas a força absoluta das leis e, para acessarmos a plenitude de seus poderes, galgamos escadas políticas.

Se precisamos negociar com inimigos para isso? Claro que sim! Se precisamos abrir mão de nossas verbas para isso? Obviamente, afinal não se compra a passagem nesse tipo de escadaria com outra coisa além do dinheiro, talvez exceto por excelentíssimos favores que não tem outro objetivo que não a brilhante moeda. Se a passagem comprada às vezes exige fundos públicos incompreendidos pela lei de nosso país, outrora fundada justamente por quem gostaria de evitar a subida de nossos ideais e práticas? Logicamente, apesar de termos honestamente nos mantido distantes de tais estratégias, coisa desdita pelos jornais, por respeito às leis e ordens, mantendo claro o fato de que, se tivéssemos recorrido a tal ardil, numa hipótese distante e meramente ilustrativa, não teríamos agredido o bem estar público, pois não é destino o desse dinheiro que não o do bem comum, o de preencher tantas e tantas ausências monetárias que já registrei. Assim, uma vez garantido o poder, temos acesso aos tesouros do recolhimento que de tão bom grado fornece a população a seu provedor Estado.

Outros antecessores de nossos ritos se enganaram aqui, um erro mínimo, provindo também de ideais já um pouco menos reluzentes que os primeiros, que nem nas sujeiras da política se metiam, mas ainda puros o bastante para crer que basta alcance do poder democrático mor para a perfeita distribuição dos fundos de propriedade coletiva. Salvos dessa genuína inexperiência, hoje estamos preparados para lidar com as reais engrenagens e entender que, para estender notas aos que precisam, precisamos antes fazer maços aos que transbordam. Porque essa democracia que tanto admiramos ainda mantém-se com traços deformados de outrora, então nenhuma moeda vai ou vem sem que antes tantas pessoas a autorizem ou tomem ciência de seus movimentos. Meus companheiros políticos e eu podemos ter conquistado a lei, mas cientes da necessidade de comprar os que a fazem e os que a cumprem, nos dispomos ao financiamento da causa. O uso do tesouro coletivo, para isso, não deve ser criticado, mas louvado, tendo em vista que são verbas sistematicamente encaminhadas para os locais que garantirão a distribuição do restante, dos fundos de preenchimento, como gosto de chamar ilustradamente esse processo, sempre resgatando nossas benévolas bases de resgate às ausências.

Ora, seria ingênuo de nossa parte pensar que, uma vez abertas as portas ao tesouro, este nunca se fará escasso, por isso estendemos as influências e financiamos mais apoios políticos individuais que nos permitissem elevar a porcentagem de arrecadação do povo, que certamente em nada iria sentir uma contribuição espontânea a elevar-se de suas finanças como a água evapora-se para depois formar chuva e saciar a coletiva sede. Àqueles que discordam do uso dessas finanças, apontando nosso trajeto como eticamente maculado e legalmente criminoso, resta no mínimo nosso pesar, pois sabemos que estão errados e apenas não compreendem os valorosos ideais defendidos. Alertamos, contudo, que temos à disposição os devidos meios para lhes aplicar punições caso recusem-se, contra todas as leis, a contribuir com a causa, ou mesmo tentem tomar os cargos que tão arduamente conquistamos.

Feitas as considerações, despeço-me, comprometendo a levar adiante as ideias que não destronaram o dinheiro, mas lhe aplicaram o devido valor da solução e da equação de nossa coletiva sociedade.

Cordialmente seu,

Deputado Arlindo Monteiro.

 

Related posts

Novela de Thomas Mann: o fascismo é capaz de hipnotizar?

Ambição, Poder e Destino: Anakin Skywalker, o Macbeth de Star Wars?

Uma nova cosmologia para ver o mundo: o livro africano sem título – Cosmologia dos Bantu-Kongo, de Bunseki Fu-Kiau