“Amor, doce confusão”(2025): Comédia de Toti Loureiro não educa nem só entretém. Faz melhor: envolve!

Entre discurso e entretenimento:

“Amor, doce confusão” inicia uma onda nova do cinema nacional? Tenho a impressão de que, por termos questões políticas muito latentes, acabamos divididos entre dois polos no nosso cinema:

De um lado, o cinema de linguagem complexa, visualmente deslumbrante e com temas desafiadores — mas extremamente inacessível ao grande público.

Do outro, o “cinema sopinha com mel”, com temas corriqueiros, humor fácil e que alcança as grandes massas.

Nenhum dos dois é o cinema de Toti Loureiro.

O preto e branco na comédia

É nítido que este filme — que, como qualquer outro, foi feito por muitas mãos, olhos e vozes — foi orquestrado por um diretor dedicado. Toti conseguiu realizar uma comédia dramática digna de ser vista, revista, indicada e promovida.

Indo na contramão do convencional, o diretor de fotografia Andradina Azevedo subverte o preto e branco ao usá-lo na comédia. Utiliza primeiros e primeiríssimos planos, além de planos-detalhe, contrariando o uso típico no suspense e ressaltando a ironia.

O uso do preto e branco no cinema vem sendo revisitado e revisto. Temos notado isso até em obras românticas como Malcolm & Marie, Guerra Fria, O Sal das Lágrimas, Amor a Três, Frances Ha e por aí vai.

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O que não é novidade no cinema é o uso do jazz fora do tema central — como camada emocional, reforço atmosférico, pontuando tensões não verbalizadas e, na maioria dos casos, seduzindo. Mas é uma novidade aqui: no nosso cinema, com a nossa cultura, nossas referências, nossa cara.

O design de som de Flavio Ianuzzi em Amor, doce confusão funcionou tão perfeitamente que até o espectador mais desatento vai perceber o belo emprego das vozes bem recortadas, dos efeitos realistas e do jazz como aliado da tensão, do humor e da vergonha alheia.

A narrativa conta com uma estrutura em três capítulos:

1. “O amor aos vinte anos” — sobre Pepe, um jovem bem neurótico, à la Woody Allen, surtando com um relacionamento à distância.

2. “O amor é tudo que nós pensávamos que não era” — em que Julia e Ana, namoradas que moram juntas, entram em crise ao receberem a notícia do término de um casal de amigos.

3. “As mentiras que os homens contam” — em que Leo terceiriza a culpa por sua vida frustrada, responsabilizando sua parceira pelo tédio da rotina (ok, aqui fui parcial e critiquei o personagem, mas é basicamente isso).

Neste último capítulo, o roteiro cambaleia para suspense, sem abandonar o humor — o que só enriquece o enredo. Cada fala do Leo arrancava um sorriso sonoro da plateia.

Assim, acompanhamos três casais lidando com os desafios dos relacionamentos modernos, num filme em que Toti imprime brasilidade sem medo, dentro de um gênero predominantemente estadunidense, com uma linguagem que só os filmes independentes conseguem alcançar.

Amor, doce confusão está em exibição no Festival do Rio.

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