Escrita em 1848, durante o regime czarista de Nicolau I, A Família Tálnikov, da autora russa Avdótia Panáieva (1820-1893), contemporânea de nomes como Dostoiévski, Tolstói e Tchékhov, foi censurada sob a acusação de “minar a autoridade parental” e só veio a público oitenta anos depois, na era soviética.

Narrada do ponto de vista de Natacha, uma criança, a história revela as tensões familiares e sociais de seu tempo – poder patriarcal, desigualdade de gênero, opressão geracional e de classe -, compondo um retrato íntimo e ainda atual da Rússia do século XIX.
A tradução para o português é de Thais Carvalho Azevedo, pesquisadora da Universidade Federal Fluminense dedicada ao estudo e à tradução de escritoras russas da chamada Era de Ouro. “A cada página traduzida, eu ficava mais feliz de ter escolhido esta obra. É de uma qualidade literária incrível”, diz Thais. Para ela, Panáieva foi uma figura central da vida cultural de sua época, ainda que invisibilizada pelo machismo estrutural. “Ela frequentava os principais círculos intelectuais e organizava jantares com autores como Dostoiévski, Tolstói e Tchékhov. Não duvido que tenha influenciado muitos deles”, comenta.
Desafios da tradução
O processo de tradução, segundo Thais, foi um dos mais complexos de sua trajetória. “Os personagens têm idades, escolaridades e posições sociais muito diferentes. O discurso direto tem nuances complexas e a narrativa oscila entre o cômico e o melancólico. Traduzir isso exigiu muita atenção e sensibilidade”. Ela também ressalta a colaboração da professora Ekaterina Volkova Américo, especialista em cultura russa: “Sem ela, essa tradução não teria a mesma profundidade”.
Além do valor literário, Thais Azevedo enxerga na obra uma conexão com o leitor brasileiro: “As crianças da história resistem à opressão com humor, traquinagem e malandragem. Essa resistência pela ‘zoeira’ me lembra muito o jeito brasileiro de sobreviver. É como um jogo de capoeira: desviar, rir, sobreviver”.
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A edição
A edição brasileira tem capa dura, formato 14 x 21 cm, 225 páginas e guarda personalizada, características já associadas à Degustadora. Para Melissa Velludo, diretora da editora, o lançamento traduz o espírito do novo selo: “Queremos publicar livros que deem prazer e provoquem. Jocalis vem do latim e remete à ideia de joia, e é exatamente isso que buscamos: textos preciosos, de vozes que merecem ser redescobertas”.
Sobre a autora
Avdótia Yakovlevna Panáieva nasceu em São Petesburgo, em 1828 e permaneceu apagada, durante muito tempo, por ser mulher. Embora tenha sido contemporânea de Dostoiévski e ele tenha lido seu primeiro romance (Gente pobre) em uma reunião organizada por ela, ficou às margens da literatura russa, como muitas mulheres. Para poder publicar em uma sociedade extremamente patriarcal e cheia de preconceitos, publicou várias obras sob o pseudônimo N. Stanítski.

