Lubo (2023): um retrato do genocídio cigano durante a Segunda Guerra Mundial

Crítica de Lubo, filme de 2003, dirigido por Giorgio Diritti e assistido dentro da 8 ¹/² Festa do Cinema Italiano

O filósofo Giorgio Agamben diz que os povos ciganos são paradigmáticos para a gente entender a história do Ocidente. Se o que nos caracteriza desde as navegações é uma subjetividade do deslocamento, nada mais moderno e contemporâneo do que os povos ciganos.

Em seu texto “As línguas e os povos”, ele vai dizer fazer uma retrospectiva da história cigana e concluir que, ou todos os povos são ciganos e todas as línguas são gírias – afinal todos foram desterrados, todos fazem parte de línguas que outrora foram marginais – ou a ideia de um “povo” cigano foi só uma forma de reunir todos os preconceitos em torno de um povo a quem nunca se deu uma terra e cuja fala nunca se permitiu transformar em língua. 

O século XX é exemplar neste ponto quando trazemos a questão do exterminínio e do holocausto do povo cigano. Estima-se que 2 milhões e meio de ciganos foram alvos do programa sistemático e eugenista de extermínio étnico patrocinado pelo Estado nazista, liderado por Adolf Hitler e pelo Partido Nazista, ocorrido durante todo o Terceiro Reich e nos territórios ocupados pelos Alemães. Bizarro, não?

É mais ou menos nesse contexto que se passa a história de “Lubo”, filme de 2003, dirigido por Giorgio Diritti e assistido dentro da 8 ¹/² Festa do Cinema Italiano. A obra gira em torno da personagem que dá título ao filme, um artista de rua de origem cigana, morador da Suíça, que é convocado como soldado para vigiar a fronteira diante do iminente avanço do nazismo. 

Uma vez lá, ele descobre que seus filhos foram levados e sua mulher foi assassinada pelo próprio estado. Na verdade, o estado incentivava e financiava uma organização baseada nos princípios da eugenia que retirava crianças das “más famílias” em prol de uma “sociedade mais evoluída”. A partir dessa descoberta, Lubo promove uma reviravolta em sua vida e vai em busca de reencontrar seus filhos e redimir os crimes que foram cometidos com seu povo. 

Diritti não nos poupa tempo para contar essa história: durante as três horas, acompanhamos uma série de reviravoltas na vida de Lubo, uma trajetória que quase nos lembra a de Edmond Dantés, de “O Conte de Monte Cristo”. A diferença, nesse caso, é que a transformação da vida de Lubo não se dá apenas pela vingança, mas pela tentativa de reconstrução da sua história e, por conseguinte, de seu povo.

Enquanto aproveita as oportunidades que a vida lhe deu, passando a trilhar um que margeia o bem e o mal, o certo e o errado, Lubo sofre uma virada quase foucaultiana de entender que é na estrutura das leis que está a desigualdade: ela é própria que permite que determinadas coisas aconteçam e o mundo seja tal como é. Ou seja, a lei não lhe pode reparar absolutamente nada, mas apenas uma coisa: as narrativas do que ele e outros viveram. Assim, ele viaja por vilarejos e coleta histórias de outras famílias ciganas cujas crianças foram retiradas dos pais. Anota tanto para onde foram, o que se passou com elas e quais foram o seu fim. 

Porém, o que vamos descobrindo através das lentes de Diritti é que, enquanto havia um genocídio maior, havia um outro menor, um epistemicídio sistemático de crianças ciganas levadas para instituições cristãs, para outras famílias adotivas, muitas delas esterilizadas ainda na primeira infância. Eugenia é a palavra. Simples. A história é velha, mas a ferida ainda aberta.

E apesar da narrativa tradicional e do filme realista no sentido estrito do termo, a obra acredita na materialidade do cinema como forma de reprodução de um real como retrato, reportagem e testemunho. Trata-se do filme de um italiano que registra um duplo horror que se passa num país co-irmão de língua, a Suiça: Ali, podemos ver vemos os ecos do nazismo e a eugenia do povo cigano como testemunhas dessa história menos. Ao fundo, a maior nos ecoa. 

Um filme longo porque altamente épico e as histórias épicas demandam tempo para se estabelecer. As dores são simples, doem, mas as vidas duram tempo demais para doer só uma vez. 

Veja o trailer de Lubo (2023) aqui:

O filme foi assistido durante a mostra 8¹/² Festa do Cinema Italiano!

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