Sou fã da escritora Ivana Arruda Leite e tive a chance de ler grande parte da sua bibliografia. Os contos, os romances e os poemas da autora tem forte apelo em mim, como leitora, por dois motivos principais: a concisão e a verdade. A experiência de leitura não poderia ser diferente ao ler o romance Eu te darei o céu – e outras promessas dos anos 60. Publicado pela Editora 34, o livro combina intimidade, verdade e humor para explorar as complexidades de crescer em tempos de mudança.
Mundo exterior e interior em Eu te darei o céu
O livro, narrado em 1a pessoa, é um romance de formação sobre Titila, uma garota do interior que se mudou para São Paulo no início dos anos 1960. O livro também acompanha a formação da própria cidade de São Paulo em um momento de intensa efervescência política, econômica e cultural. Nesses dez anos de história, é como se a cidade perdesse sua inocência, lidando com os conflitos inerentes da verticalização e urbanização exacerbadas, das inovações tecnológicas, da influência norte-americana na cultura e da repressão advinda do período ditatorial. As mudanças em São Paulo, no Brasil e no mundo, inclusive, dão o tom das epígrafes no início de cada capítulo, situando os leitores para o contexto das histórias de Titila.
O que muda no mundo exterior é espelho para o que muda no interior da menina-moça. E vice-versa. A ingenuidade, a leveza e prosaísmo dos primeiros anos de Titila, com sua paixão pelos programas de auditório e Celly Campello, vai, pouco a pouco, dando espaço para a artista contestadora que cola a foto do Che na parede e vai se cansando dos álbuns do Roberto Carlos. Embora convivesse com família e colegas distantes dos temas polêmicos, Titila se sensibiliza com o que ocorre além dos limites entre o seu apartamento e a escola. E amadurece.
Eu te darei o céu e a verdade
Apesar da realidade criada a partir do diálogo fora-dentro-fora, Eu te darei o céu é um dos livros mais solares e divertidos da autora. Há cenas hilárias como a ligação que fez à equipe da Bibi Ferreira para convidá-la para seu aniversário de nove anos. Ou ainda a tentativa de visitar o apartamento de Roberto Carlos e o banho de cola de sapateiro. Assim, o humor aproxima ao recorrer à fase, comum a todos nós, em que lembramos os absurdos do crescer.
A autora, em entrevista ao apresentador Jô Soares, afirmou que muitas de suas histórias pessoais se tornaram elementos de criação ficcional. No entanto, a verdade de Ivana reside não apenas na inspiração biográfica. Ela se pauta na franqueza de seus personagens em dizerem e agirem de forma crível. Além disso, seu texto é enxuto e direto, sem espaço para rodeios ou firulas. Quando se escreve apenas o necessário, a impressão é a de se ler o bastante. Nisso, Ivana Arruda Leite é escola.
Ainda que pertença a outra geração, Ivana tem a habilidade de evocar, em Eu te darei o céu, uma nostalgia quase universal. Ela transforma o íntimo em algo atemporal, conectando o leitor ao fio da história, mesmo décadas depois. Ler este livro, portanto, deu a sensação de passear por memórias que são e não são minhas, viver uma vida que existe e não existe mais. Enfim, uma melancolia de sentir que o tempo passa para todos nós.
Sobre a autora
Ivana Arruda Leite é natural de Araçatuba (SP), mestre em sociologia pela USP e uma das principais vozes da literatura contemporânea. É autora de livros de contos, romances, infantojuvenis e poesia, dentre os quais: Falo de mulher, Ao homem que não me quis e Cura-me, Senhor (contos), Alameda Santos, Breve passeio na história do homem e Taras e tripas: uma saga familiar (romances), entre outros.