Byung-Chul Han é filósofo, ensaísta e professor sul-coreano radicado na Alemanha. É um dos nomes proeminentes nos estudos sobre a sociedade contemporânea com temáticas que englobam política, mídias e relações sociais. Cursou Filosofia na Universidade de Friburgo e Literatura Alemã e Teologia na Universidade de Munique. Sociedade do cansaço, Sociedade da transparência, Sociedade paliativa são alguns de seus títulos publicados no Brasil pela Editora Vozes.

“Ao longo de seus textos, Han faz uma crítica às relações de poder, para pensar saídas para o capitalismo atual, que forma um sujeito hiperativo. Outra crítica é em relação ao sujeito que se prende à sua identidade, quanto indivíduo isolado, individual e que permanece fechado em sua própria postura egocêntrica e narcísica em relação ao mundo.” (Editora Vozes)
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Em “A crise da narração”, livro lançado em 2023, o autor propõe, por meio de uma série de ensaios curtos, diversas reflexões em torno dos fatores e das consequências da crise da narração na modernidade. Nos dias atuais, as informações, que geram notícias e apenas comunicam, são cada vez mais abundantes, fazendo com que o ato de narrar se perca.
Na obra, ele dialoga com nomes como Adorno, Lacan, Freud, Heidegger, Platão e, principalmente, Walter Benjamin, fazendo análises críticas e atualizando várias discussões filosóficas. Por isso, mesmo com o número reduzido de páginas, a leitura dos seus livros geralmente é tão densa. Utiliza, inclusive, termos comuns das redes sociais – likes, selfies, stories e outros, para abordar, em especial, questões sociais e culturais.
Em um momento, Han compara o analógico e o digital, afirmando que as fotografias analógicas eram meios de recordação, ou seja, capazes de contarem histórias. São as histórias que conectam as pessoas e estimulam a capacidade de empatia, criando uma comunidade. Hoje, as fotos instantaneamente postadas apenas comunicam, referindo-se, especialmente, às selfies:
“As selfies também são fotografias instantâneas. Elas são válidas apenas para o momento. Diferentemente das fotografias analógicas, que eram meios de recordação, as selfies são informações visuais fugazes. Ao contrário das fotografias analógicas, elas desaparecem de uma vez por todas após um curto tempo. Elas não são usadas para recordação, mas para comunicação. Em última análise, elas anunciam o fim da pessoa sobrecarregada com o destino e com a história.” (p. 49-50)
A troca acelerada de informações, que ele denomina de “tsunami”, garante que os sentidos sejam constantemente estimulados. Não existe mais um modo contemplativo – que é constitutivo do ato de narrar e escutar – pois as informações fragmentam a atenção e o tempo. “A narração pressupõe escuta e atenção profunda”, características que estão desaparecendo na atualidade.
Ele segue examinando o ambiente digital como um espaço que não favorece a construção de narrativas, já que possui um prazo de duração limitado e gira em torno da publicidade – storyselling e storytelling, narração e anúncio não são distinguíveis. O capitalismo se apropria do storytelling, produzindo narrações na forma de consumo, que serve para instrumentalizar e comercializar a história com o intuito de transformá-la em mercadoria.
“Os ‘stories’ das plataformas digitais, como Instagram ou Facebook, não são narrações em sentido autêntico. Eles não possuem duração narrativa. São meras sequências de fotos momentâneas que não narram nada. Na realidade, eles não passam de informações visuais que desaparecem rapidamente. Nada permanece. Um dos slogans publicitários do Instagram diz o seguinte: “publique momento da sua rotina nos stories. Eles são engraçados, casuais e só podem ser vistos por 24 horas”. A limitação temporal cria um efeito temporal especial. Ela evoca uma sensação de impermanência que cria uma sutil compulsão para se comunicar mais.” (p. 49)
De acordo com filósofo, o desencantamento do mundo é o responsável pela perda da capacidade de narrar, fato que remonta à informatização do mundo, dissolvendo-o em dados e informações. A informação, juntamente com o neoliberalismo, por sua vez, cria uma nova forma de dominação, mas sem apresentar uma ação repressiva. Esse regime de informações “exige constantemente que comuniquemos nossas opiniões, nossas necessidades e preferências, exige que narremos nossa vida, que postemos, compartilhemos e curtamos.”
“As narrativas criam coesão social. EIas contêm propostas de sentido e transportam valores constitutivos de uma comunidade. […] A narrativa neoliberal do desempenho, por exemplo, faz com que cada um seja um empreendedor de si mesmo. Todos estão em competição contra todos. A narrativa do desempenho não cria coesão social, não cria um Nós. Pelo contrário, ela desmantela tanto a solidariedade quanto a empatia. As narrativas neoliberais, tais como a da otimização de si mesmo, da autorrealização, ou da autenticidade, desestabilizam a sociedade ao isolar as pessoas. Quando todos reverenciam religiosamente a si mesmos e são sacerdotes de si mesmos, quando todos se produzem, se performam, nenhuma comunidade estável pode ser formada.” (p.123)
Esse tipo de comunicação também apresenta diversas consequências, conforme destaca Han:
“As plataformas digitais, ao contrário, estão interessadas em um registro completo da vida. Quanto menos se narra, mais se acumulam dados e informações. Para as plataformas digitais, os dados são mais valiosos do que as narrações. As reflexões narrativas são indesejáveis. Quando as plataformas digitais permitem formatos narrativos, eles devem ser projetados em conformidade com o banco de dados para que produzam o máximo de dados possíveis. É assim que os formatos narrativos assumem, inevitavelmente, formas aditivas. Os “stories” são projetados como portadores de informações. EIes fazem com que a narração em sentido autêntico desapareça. O dispositivo das plataformas digitais representa o registro total da vida. Seu objetivo é converter a vida em registro de dados. Quanto mais dados forem coletados sobre uma pessoa, melhor ela poderá ser monitorada, controlada e explorada economicamente.” (p. 52)
“A comunicação é cada vez mais controlada de fora para dentro. Ela parece obedecer a um processo automático, maquinal, controlado por algoritmos, e do qual não somos conscientes. Estamos entregues à caixa-preta algorítmica. As pessoas estão definhando e se transformando em um conjunto de dados que pode ser controlado e explorado.” (p. 28-29)
“Na modernidade digital tardia, encobrimos a nudez e o vazio de sentido da vida postando, curtindo e compartilhando permanentemente. O barulho da comunicação e das informações garante que a vida não revele um vazio angustiante. A crise de hoje não é mais viver ou narrar, mas viver ou postar. Similarmente, a obsessão por selfies não pode ser atribuída ao narcisismo. É muito mais o vazio interior que leva à obsessão por selfies. O Eu precisa de propostas de sentido que possam lhe conferir uma identidade estável. Em vista do vazio interior, ele produz a si mesmo permanentemente. As selfies reproduzem o si-mesmo de forma vazia.” (p. 67)
“O smartphone nos protege da realidade de forma maximamente eficaz, na medida em que remove completamente o olhar que o outro apresenta. O touchscreen faz com que a realidade como a contraparte em forma de rosto desapareça por completo. Privado da alteridade, o outro se torna consumível[…] Lacan diria que a imagem enclausurada no touchscreen não tem olhar, que ela serve apenas como um deleite para os olhos que satisfaz minhas necessidades. Assim, o touchscreen difere da imagem como tela (écran), que ainda permite que o olhar transpareça. A tela digital, ao contrário, na medida em que nos blinda completamente da realidade, não permite que nada transpareça. Ela é plana.” (p. 96-97)
Esses são apenas alguns aspectos abordados, há ainda outras reflexões e diferentes exemplificações apresentadas ao longo da obra que analisam de modo mais abrangente não só a relação entre homem e tecnologia, mas formas para se pensar as relações sociais e os desafios da contemporaneidade.

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