Annie Ernaux, laureada com o Prêmio Nobel de Literatura em 2022, é conhecida por buscar compreender as nuances da vida por meio de uma abordagem crítica e reflexiva. Em seus livros, ela frequentemente aborda temas como identidade, memória, gênero e a condição feminina na França do século XX.
Em Memórias de Menina, traduzido por Mariana Delfini, conhecemos a versão adolescente de Ernaux. Aos dezessete anos, a jovem Annie deixa sua cidade natal para trabalhar como monitora em uma colônia de férias na Normandia. É ali que ela vivencia sua primeira experiência sexual, em uma noite que deixaria nela uma marca indelével.

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Após cinquenta anos, Ernaux mergulha no verão de 1958 para tentar acessar aquilo que gostaria de esquecer, mas que sabe estar na origem de quem ela se tornou, e também de seu trabalho como escritora. Com minúcia, ela tenta reconstruir a si mesma e o contexto da época para chegar ao coração da experiência tal como a viveu, e que a assombrará por tanto tempo.
“Aquela menina de 58, que passados cinquenta anos é capaz de surgir e provocar um colapso interior, vive, portanto, em mim com sua presença escondida, irredutível. Se o real é aquilo que age, produz efeitos, segundo a definição do dicionário, essa menina não sou eu, mas ela é o real em mim. Uma espécie de presença real.”
É assim que Ernaux se dedica a alguns dos temas mais dolorosos de sua obra, decorrências da memória primordial que dá nome ao livro. Depois daquela noite, ela testemunhará no próprio corpo os efeitos do trauma: a interrupção súbita da menstruação e um transtorno alimentar — numa época em que não havia com o que nomeá-lo.
“Memória de menina é um belo e profundo exame da parede impenetrável que o tempo erige entre quem somos e quem um dia fomos. Não conheço nenhum outro livro que ilustre tão vividamente as frustrações e tentações dessa barreira, nossas mágoas e ânsia em tentar rompê-la.” — Sheila Heti, autora de Maternidade
A isso se somam outras dificuldades comuns às jovens de seu tempo: uma dolorosa tomada de consciência e internalização do seu lugar na sociedade, expressa no abandono das ambições acadêmicas e em angústias quanto ao futuro profissional. Ao mesmo tempo, a jovem Ernaux descobre O segundo sexo, de Simone de Beauvoir, e a dimensão política de seus problemas pessoais. Lemos o seu despertar para o feminismo, que a ajuda a encarar, mesmo que com limitações, sua condição: “ter recebido as chaves para entender a vergonha não confere o poder de apagá-la”.
Atenta à forma como os fatos históricos e as experiências vividas depois do verão de 1958 moldam sua visão sobre a época, Ernaux empreende uma das incursões mais profundas de sua constante reflexão sobre a temporalidade, fazendo de Memória de menina um ponto luminoso de sua obra.
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