O ciclo de Gargântua e outros escritos, terceiro e último volume das Obras completas de Rabelais publicadas pela Editora 34, apresenta uma verdadeira miscelânea de narrativas, almanaques, cartas, versos, textos em prosa e tratados atribuídos ao autor, quase todos inéditos em português.
Para quem não conhece Rabelais, ele é um dos nomes mais importantes do Renascimento, nasceu em Chinon, no interior da França, em data incerta: 1483, segundo as pesquisas mais recentes, ou 1494, segundo outros. Publicou suas obras mais famosas, as aventuras dos gigantes Gargântua e Pantagruel, verdadeiras sátiras aos poderosos que foram censuradas pela Igreja Católica, a partir dos anos 1530: Pantagruel (1532), Gargântua (1534), o Terc eiro livro (1546), o Quarto livro (1552) e o Quinto livro (publicado postumamente em 1564) de Pantagruel, além de uma miscelânea de almanaques, cartas, poemas e até um tratado sobre o vinho. Faleceu em Paris, em 1553.
Em “Ciclo de Gargântua”, temos as Grandes crônicas e O verdadeiro Gargântua, publicados respectivamente em 1532 e 1533, esta coletânea traz em seguida os almanaques e prognosticações de Rabelais para os anos de 1533, 1535, 1541 e 1544. Exibindo na sequência a série completa de cartas do autor que sobreviveram até os nossos dias, que inclui uma missiva a Erasmo de Roterdã e uma súplica ao papa para não ser excomungado, o livro prossegue com um conjunto de poemas avulsos de Rabelais redigidos em grego, latim e francês.
A parte final do volume traz a Epístola do limusino, de 1536, a Ciomaquia, em que o autor relata um espetáculo marcial oferecido a diplomatas franceses e italianos em 1549, a Crisma filosofal, um pequeno texto em prosa, e um interessantíssimo Tratado do bom uso de vinho, cujo original se perdeu e foi resgatado a partir de uma tradução ao tcheco. Por fim, fechando a antologia, temos os 120 desenhos do livro Sonhos bufonescos de Pantagruel, publicado em Paris em 1565, doze anos após a morte de Rabelais. Somente séculos depois estes bizarros retratos foram identificados como sendo da autoria de François Desprez (c. 1530-1580).
Assim como nos volumes anteriores, os variados registros de linguagem de Rabelais são aqui recriados de forma brilhante pelo premiado tradutor Guilherme Gontijo Flores, autor também das notas introdutórias que abrem cada seção da coletânea, que indicam as referências históricas e literárias dos textos rabelaisianos e oferecem ao leitor um guia para conhecer as múltiplas facetas desse inimitável humanista francês.
Na orelha do livro, Mario Sergio Conti fala um pouco sobre o livro:
François Rabelais encontrou em Guilherme Gontijo Flores mais que um bom tradutor. Achou uma alma gêmea, um erudito de quatro costados que sabe tudo e mais um pouco. É um milagre que, numa tradução tão extensa, tenha encontrado pepitas linguísticas que trazem para o presente a folia literária gerada há cinco séculos.
Além de traduzir, Flores abre veredas no cipoal rabelaisiano. A cada mudança de rumo e registro, situa o que vem a seguir. Com a trilha aplainada, os bem-aventurados leitores podem embeber-se — sem tropeçar em notas de rodapé — da farra literária, fruir a pândega sem risco de ressaca.
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Sobre o tradutor:
Guilherme Gontijo Flores nasceu em Brasília, em 1984. É poeta, tradutor e professor de latim na Universidade Federal do Paraná. Publicou os livros de poesia brasa enganosa (2013), Tróiades (2015), l’azur Blasé (2016), ADUMBRA (2016), Naharia (2017), carvão : : capim (2018), avessa: áporo-antígona (2020), Todos os nomes que talvez tivéssemos (2020) e Potlach (2022), entre outros, além do romance História de Joia (2019). Como tradutor, publicou A anatomia da melancolia, de Robert Burton (4 vols., 2011-2013, vencedor dos prêmios APCA e Jabuti de tradução), Elegias de Sexto Propércio (2014, vencedor do Prêmio Paulo Rónai de tradução, da Fundação Biblioteca Nacional),
Sobre o ilustrador
François Desprez nasceu por volta de 1530 e foi um editor, gravador e ilustrador francês. Estudou na Universidade de Paris em 1556 e trabalhou como “maître boursier”. Entre 1559 e 1560 já aparece junto aos impressores e livreiros parisienses, como Richard Breton (1524-1572). Em 1563 estabelece-se na rue Montorgueil como sócio da casa impressora Au Bon Pasteur. Em 1562 assina a dedicatória a Henrique de Navarra no Recueil de la diversité des habits, obra editada em Paris por Breton para a qual produziu anonimamente várias ilustrações. Também publicada por Breton, em 1565, mas como sendo de autoria de François Rabelais, Les songes drolatiques de Pantagruel consiste em uma série de 120 retratos grotescos no estilo de Bosch e Bruegel, que só muito depois seriam atribuídos a Desprez.