O debate sobre a questão da eutanásia acontece em tons baixos, numa voz fraca, quase inaudível em nossa sociedade. Assim como o aborto, é quase um tabu pronunciar-se a favor da prática. Os que optam em não esconder suas opiniões favoráveis à prática, sussurram seus juízos. Se tomarmos o fato de que a morte natural ainda é um tabu muito forte em nossa sociedade, dá pra imaginar o barulho que o debate causa quando se fala em eutanásia ou suicídio assistido.
Neste contexto, o livro recém lançado pela editora Patuá A Ária das Águas percorre aquilo que os latinos denominavam de “morte digna”. Se é que assim podemos nos expressar em nossa atual sociedade, onde o que se reverbera é uma luta desmesurada contra a morte, o dever de enfrentá-la corajosamente ou e às vezes até ignorá-la, mesmo sabendo-se que muitas vezes quando ela se mostra à espreita, a vitória final já está dada de antemão.
O livro narra o drama de Paolo Savina, um maestro de renome internacional, mas um compositor mediano, que passou a vida toda frustrado com as críticas dirigidas a sua primeira e única sinfonia, composta ainda na juventude. O significado da vida de Paolo muda completamente com a chegada de uma doença terminal. Após diversas tentativas de tratamento, todas elas infrutíferas, o maestro e compositor opta por se retirar em sua chácara, onde com seus quatro filhos ele retoma a composição de sua segunda sinfonia.
Antes de Paolo se conformar com a iminência da morte e se reconciliar com a sua própria vida e com aqueles que estão a sua volta, o maestro, como qualquer ser humano se revolta diante do seu destino.
Por que agimos assim? Porque um sentimento pungente de eternidade nos rodeia e nenhuma inteligência, por mais delirante que seja, consegue ignorar a condição em que está acorrentada: a da morte e do aniquilamento. Saber que a nossa existência não se insere no âmbito da necessidade, mas sim da contingência, gera um desconcerto no espírito, pois há em cada um de nós um desejo prolixo de duração perene, de perseverar no ser. A assunção do descompasso entre esse desejo e o fadado destino ao nada gera em nós agruras existenciais: quem sou eu perante o mundo que me ultrapassa? Será a vida mais que um vir a ser, uma mudança contínua ou será que a vida não passa de um hiato entre o nascimento e a morte, onde cada um preenche da melhor maneira possível esse átimo na duração?
As trapaças que respondem a essas perguntas podem ser articuladas de diferentes maneiras pela linguagem, pela ciência, pela religião, pelo senso comum, pela arte, pela filosofia, embora o sentimento de cesura em nós permaneça, como se nós, seres humanos, não pudéssemos olvidar de nós mesmos os padecimentos da existência. Sabemos que não se pode partilhar a experiência da morte. É a experiência mais singular e irredutível que alguém pode ter. O que sabemos dela é o que se vê de fora, obliquamente, por aqueles que são ceifados por ela antes de nós. É por isso que a ressonância que se tem dela é sempre impessoal, exterior. Mas mesmo vendo-a “de fora”, ela nos morde e deixa cravada a sua marca. Nesta ressonância, A Ária das Águas é essa mordida, essa cicatriz.
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