No ano do bicentenário da criatura imortal de Mary Shelley, podemos ver como a obra da escritora inglesa ainda possui grande influência na cultura atual. Revisitado pelo cinema diversas vezes, a eterna obra de Mary Shelley demonstra que o passar do tempo só fortalece sua imagem já consagrada como um dos maiores ícones do horror. Publicado originalmente em 1818, o romance escrito por uma jovem de então apenas 19 anos marcou a literatura para sempre ao misturar horror com o gênero da ficção científica, ao qual deu origem ao criar uma narrativa em que a ciência é utilizada de forma assustadora e nunca antes vista.
Mary teve a ideia para o livro durante uma noite na mansão do poeta Lord Byron, onde ela, Percy Shelley e o William Polidori se reuniram. Byron propôs um desafio para ver quem escreveria a estória mais assustadora. Deste desafio nasceram o conto O Vampiro, de Polidori, e Frankenstein, de Mary.
Após dois séculos, a estória do monstro sem nome, criado em laboratório pelo cientista Victor Frankenstein a partir de pedaços de cadáveres, ainda reina próspera como uma das obras mais icônicas da literatura, gerando discussões sobre seus temas, sua estrutura, suas origens e influências. E uma das áreas mais influenciadas por Frankenstein e por sua autora, Mary Shelley, foi o cinema. Vejamos abaixo algumas obras cinematográficas as quais retrataram o cientista e seu monstro no cinema, assim como a real criadora da criatura e sua trajetória que a levou à escrita da imortal obra que atravessa os séculos.
Frankenstein (1910)
O primeiro filme inspirado na obra de Shelley é um curta metragem de apenas 13 minutos, o qual você pode assistir por completo no YouTube. Neste filme, vemos que a representação do monstro é bem diferente daquele consagrado pelo cinema através dos filmes posteriores (principalmente pelo da Universal, com Boris Karloff).
O filme foi produzido por Edison Studios, escrito e dirigido por J. Searle Dawley e filmado em 3 dias no Bronx, Nova York. Algo que chama bastante atenção é a maneira como foram filmadas as cenas finais: completamente em frente a um espelho, no qual vemos o monstro evanescer e nele surgir a imagem de seu criador, Victor Frankenstein, evidenciando a mistura da identidade entre ambos, as quais são bastante confundidas pela mídia, enquanto também suscita uma reflexão sobre como o monstro pode ser visto como um reflexo do próprio Frankenstein, visto que suas atitudes destrutivas são resultado do comportamento egoísta do jovem cientista, que criou vida por pura vaidade e abandonou sua criatura ao ficar horrorizado com o resultado de sua experiência.
Frankenstein (1931)
Um dos filmes mais icônicos do cinema de horror, esta obra prima da Universal Studios mostra a imagem que ficou consagrada como o monstro de Frankenstein que imaginamos até os dias de hoje: um monstro com parafusos na cabeça, cicatrizes, uma testa enorme e uma estatura também desproporcional a um humano e, além de tudo, verde, pois apesar de o filme em si ser em preto e branco, em alguns cartazes vemos a imagem do monstro em tons de verde. A criatura foi eternizada neste filme pelo lendário ator Boris Karloff, que teve uma longa carreira em filmes de terror, porém ficou até hoje conhecido como o Frankenstein da Universal. Apesar de ser a imagem mais famoso do monstro no cinema, a criatura do filme é bem diferente da do livro de Mary Shelley, não só na aparência, mas também em personalidade e comportamento: enquanto que no livro, o Monstro aprende a falar e até a ler, neste filme ele apenas emite grunhidos.
A Maldição de Frankenstein (1957)
O primeiro filme de terror colorido da famosa produtora britânica Hammer nos mostra uma estória vagamente inspirada no livro de Mary Shelley. No entanto, apesar de ser bem distante da obra literária, o filme vale a pena pelas atuações de Peter Cushing, como Frankenstein, e de Christopher Lee, como a criatura. Após o sucesso deste filme, a Hammer decolou com uma série de filmes sobre Frankenstein e também vários outros filmes de terror que marcaram época.
Frankenweenie (1984) [live action em curta-metragem]
Antes de ficar famoso pelo Estranho Mundo de Jack ou Edward Mãos de Tesoura, Tim Burton dirigiu, em 1984, um curta metragem sobre um garotinho cujo cão morre. O menino se chama Victor Frankenstein, e é uma criança inteligente, com gosto por ciências. Após perder o cãozinho, o menino resolve trazê-lo de volta à vida, o que resulta em uma versão animal da criatura, ou seja, um cão trazido de volta dos mortos. Diferente do Frankenstein do livro, porém, o menino se alegra com o resultado de seu experimento. No entanto, a vizinhança não fica muito contente com a presença do animal morto-vivo, o que traz problemas para o pequeno Victor e seu cãozinho ressuscitado.
(Assista acima o curta Frankenweenie logo após outro famoso curta de Burton, Vincent, onde vemos um jovem garotinho aficcionado pelas trevas e leitor ávido de Edgar Allan Poe.)
Gothic (1986)
Uma obra lúdica, repleta de cenas oníricas e metafóricas, o filme dirigido por Ken Russel retrata a noite em que Frankenstein foi concebido: a fatídica noite na mansão suíça onde Lord Byron encontra-se exilado e lá se reúne com Mary Shelley, Percy Shelley, a irmã de Mary e Polidori, e eles decidem se entreter desafiando uns aos outros a contar estórias de terror, entre outras coisas. A atmosfera do filme é construída de modo a recuperar os elementos góticos presentes nas obras de Mary, Percy, Byron e Polidori, por meio da presença de uma fotografia permeada por jogos de sombras e também incluindo diversas referências a consagradas obras de arte, como a de Fusili chamada O pesadelo que em uma cena do filme se torna real. A mesma obra foi reproduzida no pôster original da produção.
Frankenstein de Mary Shelley (1994)
Um dos filmes mais fiéis ao livro, nesta obra produzida por Copola e dirigida por Kenneth Branagh (que também interpreta Victor Frankenstein). O elenco conta com outros grandes nomes, como Helena Bonhan Carter, como Elizabeth, e Robert de Niro, como a criatura. Este é um filme imperdível para qualquer leitor que sonha em ver a narrativa de Mary Shelley ganhar vida (ou quase isso, pois ainda é uma adaptação, portanto há aspectos em que se difere do livro). Ainda assim, é essencial para quem gosta do livro ou de bons filmes de terror em geral.
Frankenweenie (2012) [animação em longa metragem]
Seguindo praticamente o mesmo roteiro do curta de 1984, só que com mais personagens, como colegas de escola de Victor e outros animais de estimação, este filme marca a realização de Burton, já então um diretor de renome, de trazer sua ideia do cão Frankenstein para o grande público, com uma animação completamente em preto e branco.
Penny Dreadful (2014-2016)
Nesta série vemos uma mistura de diversas obras literárias, como Dracula, Frankenstein, Dorian Gray e O Médico e o Monstro, além de lendas como lobisomens, bruxas, possessões, etc, tudo isso em um clima vitoriano e uma fotografia que recria a atmosfera das obras góticas citadas acima. Além de tudo, temos também diversas citações de poesia e poetas do romantismo inglês e um roteiro que consegue unir personagens das obras e inseri-los no mundo ficcional de Vanessa Ives, a protagonista interpretada por Eva Green, a qual tem uma conexão pessoal com o sobrenatural: Vanessa era a melhor amiga de Mina Harker e, junto a Victor Frankenstein e um lobisomem, ela vai em resgate de Mina, a qual, na primeira temporada, é raptada por Drácula.
A criatura de Frankenstein representada em Penny Dreadful é uma das versões mais humanizadas e fiéis ao romance de Mary Shelley, pois a criatura, que toma o nome do poeta John Clare para se identificar (já que Frankenstein não o dá um nome), tem gosto por poesia e é um ser incrivelmente sensível, o qual, inclusive, se torna amigo de Vanessa Ives.
Mary Shelley (2018)
No início deste ano foi anunciado o filme sobre a biografia da autora de Frankenstein, com a jovem Elle Fanning interpretando a escritora. A obra ainda não tem data de estreia no Brasil, mas foi lançada nos Estados Unidos em maio e no Reino Unido em julho, segundo o IMDB. A narrativa mostra a vida de Mary, sua relação com sua família assim como sua relação com o poeta Percy Shelley, e mostra como a vida da autora influenciara (ou pode ter influenciado) sua escrita. O filme apresenta uma visão sobre a vida de Mary e de sua relação com a escrita, assim como o verão em Genebra, na mansão de Byron, onde Frankenstein foi escrito, e também convida o telespectador a uma reflexão sobre os conflitos vivenciados por Mary relacionados à publicação de sua obra prima. Veja mais detalhes sobre o filme nesta resenha completa aqui e confira o trailer legendado abaixo.