A Estrutura da Bolha de Sabão (1998) é a reedição da obra Os Filhos Pródigos (1978) de Lygia Fagundes Telles. O livro reúne oito contos da autora cujos temas circulam sempre entre pessoas desgarradas de um ponto original, geralmente familiar, amoroso, como se estivessem lançadas sozinhas ao mundo e precisassem lidar com isso. O nome “os filhos pródigos” diz muito do que é sobre o livro, no entanto A Estrutura da Bolha de Sabão, nome dado na edição francesa da obra, foi escolhido por Lygia para reedição porque essa candura formal que é imaginar a formação da bolha de sabão também reflete muito o que seria essa jornada que chamamos vida. Leia mais AQUI!
O NotaTerapia separou as melhores frases desta sensacional obra. Confira:
– Presta atenção, Miguel, o que passou, passou. Não se preocupe mais, somos todos normalmente loucos. Fingimos até uma loucura maior mas não tem importância, faz parte do sistema, é preciso. De vez em quando, dá aquela piorada e piora mesmo, que diabo. E daí? O tal cotidiano acaba prevalecendo sobre todas as coisas que nem na Bíblia. Isso de dizer que só um fio de cabelo nos separa da loucura total é tolice.
Aprendi desde cedo que fazer higiene mental era não fazer nada por aqueles que despencam no abismo. Se despencou, paciência, a gente olha assim com o rabo do olho e segue em frente. Imaginava uma cratera negra dentro da qual os pecadores mergulhavam sem socorro. Contudo, não conseguia visualizar os corpos lá no fundo e isso me apaziguava. E quem sabe um ou outro podia se salvar no último instante, agarrado a uma pedra, a um arbusto?… Bois e homens podiam ser salvos porque o milagre fazia parte da higiene mental. Bastava merecer esse milagre.
Bebeu, deixando que a pedrinha de gelo tocasse em sua língua. Devolveu-a para o copo que deixara um círculo d’água no mármore do balcão. Com a ponta do dedo, alargou o círculo tirando dele uma linha ondulada. Podia ser uma flor. Ou uma bactéria, aquelas bacteriazinhas de cabeça redonda e cauda. Enfim, uma maçada. Tudo isso. Ficou olhando para a ponta do dedo. Boa a vida de uma bactéria. Vida elementar. Reduzida. Nenhum relógio. Nem pastas.
Eu aprendi com a minha vó a classificar as pessoas em dois grupos nítidos, as pessoas boas e as pessoas más. Tudo disciplinado como material de um laboratório de química onde o Bem e o Mal (com letra maiúscula) não se misturavam jamais. Às vezes, o Diabo entrava sorrateiro nas casas e vinha espionar por detrás de alguma porta para saber o que está acontecendo. Mas se via pairando um anjo no teto, enfiava o rabo entre as pernas e ia cabisbaixo arengar em outra freguesia.
Mas que família era essa que ela me apresentava? Gente insegura. Sofrida. Que eu teria amado muito mais do que as belas imagens descritas pela minha avó. Mas tive medo ao descobrir o medo alheio.