“Ah! bem me lembro! bem me lembro!
Era no glacial dezembro;
Cada brasa do lar sobre o chão refletia
A sua última agonia.
Eu, ansioso pelo sol, buscava
Sacar daqueles livros que estudava
Repouso (em vão!) à dor esmagadora
Destas saudades imortais
Pela que ora nos céus anjos chamam Lenora.
E que ninguém chamará mais.”Trecho de The Raven – “O Corvo” de Edgar Allan Poe (tradução por Machado de Assis)
Dizem as línguas que a agonia que se lê neste poema de Poe, reflete a dor que ele sentiu pela perda de sua esposa, acometida de Tuberculose. Vírginia Clemm Poe é o motivo de muitos leitores terem se debruçado sobre a obra extensa e única de Edgar. Quem nunca leu um trecho de “O Corvo” no livro de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental e Médio, não sabe o que significa “Nevermore”!
O fato é – Edgar é o seu melhor programa – se você não for daqueles que curtem os filmes de terror atuais, cheios de espíritos e seres sobrenaturais. O autor – considerado por alguns como o “Pai do Terror” – prefere explorar a deturpação da mente humana. E como no poema homônimo de Poe, todo o restante da sua obra parece sair do fundo de sua alma depressiva. Tudo tem um tom de melancolia singular. Seus assassinatos brutais tem como motivação temas icônicos e perversos (destruidores de qualquer psique humana).
Se você não conhece o autor ou só leu em algum lugar que os escritores de terror e romance policial devem muito a ele, dá uma pesquisada no Google e compra o livro “Histórias Extraordinárias” que já foi adaptado por Clarice Lispector. O livro faz uma boa síntese de tudo que nós podemos encontrar na obra do autor. Para quem também é fã da obra de Arthur Conan Doyle e já viu o Dr. Watson comparando Sherlock Holmes com o Dr. Dupin (personagem inteligentíssimo criado por Poe) no livro “Um Estudo em Vermelho”, vai achar interessante assistir o filme “O Corvo” de 2012.
Perante a crítica de cinema brasileira (vulgo, críticos do Omelete), o filme não foi encaixado como um dos melhores. Definiram-no, muito toscamente, como uma mera cópia dos filmes de Holmes com o ator Robert Dowey Jr. (e sua eterna caricatura de Homem de Ferro). Mas se você, como eu, acha que eles nem sempre acertam, vai por mim, é um bom programa para aquele fim de noite, quando está chovendo forte. O filme nos dá um gostinho de quem foi essa grande personalidade literária e faz um bom contraponto com “O Corvo”, pois o roteiro parece ter saído do poema.
O tom melancólico percorre o filme com uma trilha sonora sombria e a atuação impecável do protagonista. No roteiro, Edgar é colocado para investigar junto a polícia, um serial killer que baseia seus assassinatos na obra de Poe. O desfecho se liga a biografia do autor, mostrando-nos um final amargo. Cheio de referenciais burgueses e vocabulário rico, o filme também nos ganha pelo retrato fiel de alguns instrumentos de tortura (será que dei spoiler?). Contudo, se você chegou até aqui e está querendo um programa menos modernista, te recomendo a série “Contos de Edgar”. Há também quem recomende “The Following”, mas como a série foi cancelada, o final não foi dos melhores.