A Semente do Fruto Sagrado (2024) ergue a revolução das mulheres no Irã
Se a primeira metade do século XX foi essencialmente masculino, com suas guerras travadas em nome da construção de grandes Impérios, começamos a ver na segunda metade um levante do feminismo em busca de direitos igualitários e uma vida que fosse produzida menos para uns e mais para todos.
Ampliando ainda mais isto, o século XXI que vai chegando no primeiro quarto se apresenta como um século de revolução do feminino. E o que significa isso fora dos estereótipos óbvios? Que tudo que era considerado como força da “masculinidade” passou a ser visto como um exagero caricato de fragilidade e tudo que era visto como “fraqueza” e “delicadeza” feminina vai se tornando um gesto revolucionário das que, enquanto perdem, articulam seus poderes de potência e sobrevivência. A Semente do Fruto Sagrado (2024) é um filme que, ao mesmo tempo, guarda e grita essas vozes.

A Semente do Fruto Sagrado (2024), dirigido por Mohammad Rasoulof, conta a história de uma família tradicional iraniana em que o patriarca, homem central de poder daquela família, é promovido ao papel de um investigador a serviço do governo autoritário do país. A princípio, aquilo era motivo de celebração para a família, fazendo com que eles ascendessem socialmente à uma classe privilegiada do país. Porém, diante de uma mãe que resolve atualizar as responsabilidades das famílias, vamos entendendo mais sobre uma sociedade em que as mulheres precisam mudar para que “a família não seja exposta demasiadamente” diante da sociedade e daqueles que comandam o governo.
Enquanto isso, as duas filhas, uma jovem e outra entrando na puberdade, começam a descobrir o mundo contemporâneo ocidental repleto de desejos de consumo e passam a almejar os pequenos prazeres da juventude: pintar as unhas e os cabelos, ter as sobrancelhas finas e usar roupas apertadas. No Irã, isso é impossível, o hijab é costume obrigatório e o respeito às leis do Estado, que são as leis de Deus, é absoluto.
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Enquanto a família vive essa transformação, controlada com certa dificuldade pela mãe, manifestações populares tomam conta das ruas do país e, enquanto o pai exerce o poder estatal, as filhas veem diretamente pela internet que as narrativas oficiais da mídia são uma farsa.
O mais interessante é que, por um momento, o filme parece que vai cair em uma narrativa de disputa política, pública e coletiva, com as irmãs se juntando aos manifestantes rebeldes e confrontando o pai, porém, o que acontece é justamente o contrário: uma espécie de thriller privado que reduplica a situação do país, mas em miniaturização no núcleo daquela família.
É o caso em que, ao se tornar menos político, o filme se torna ainda mais politizado porque enquanto a questão era posta na dualidade entre liberdade e opressão, o tabuleiro apresentado era facilmente reconhecido por todos nós.

Porém, a partir do momento em que o pai passa a exercer este poder sobre a família – o mesmo poder que o estado exerce sobre seus cidadãos – suas esposas e filhas se tornam parte da resistência e sobrevivência. O filme, então, ganha novas tonalidades e complexidades. Tudo isso com uma câmera nervosa que vai acompanhando de perto a saga dessas poucas personagens, enquanto, aqui e acolá, reverberam imagens reais de manifestações no Irã.
O que mais fica na gente do filme é a sensação de que não há mais espaço no mundo para essa figura carrancuda, masculina, intransigente, que trata os outros nas poucas palavras mascaradas de afeto silencioso. Toda violência um dia explode, mesmo as mais silenciosas. Ao contrário, mostra que a força da resistência está também naqueles que sabem mentir sob coação e não cedem um centímetro sequer de seus desejos diante de nenhum poder e nenhuma autoridade.
O século XXI se torna cada vez mais feminino, mais forte e cada vez melhor.
Veja o trailer aqui: