Trabalhar com cinema do Brasil é um desafio constante. Não é raro filmes brasileiros ganharem prêmios e aclamação pelo mundo, mas seus realizadores lutarem para seguir no setor, produzindo filmes com pouco ou nenhum dinheiro. Um exemplo disso é o cineasta Lincoln Péricles, conhecido como LK, morador do Capão Redondo, extremo sul de São Paulo, que iniciou sua carreira aos 16 anos, com um Nokia N95 doado pelo patrão da mãe. Hoje, com 35 anos, seus filmes ganham uma retrospectiva para a 3ª edição do Regards Satellites, que exibirá 15 de seus filmes em uma região periférica de Paris, em Saint-Denis.
Além da retrospectiva, Lincoln participará de uma masterclass ao lado de Adirley Queiroz e Joana Pimenta, diretores de Mato Seco em Chamas, discutindo a participação das suas comunidades em seus filmes, e também da mesa redonda Quem ama cuida: Cuidar da memória audiovisual das periferias, abordando a conservação do patrimônio audiovisual periférico.
Em entrevista para o Jornal Nota, o cineasta, que já está na França em razão do festival, comenta a importância de estar presente para a exibição dos seus filmes: “ Temos muitos cineastas geniais da quebrada que passam filmes no mundo inteiro, mas que não conseguem ir. O fato de eu estar aqui faz minha obra ter corpo, um corpo que está aqui, vivão e vivendo”.
A passagem pelo exterior também tem sido uma oportunidade de perceber como outros países lidam com o audiovisual, mas o diretor mantém olhar voltado para a periferia: “A França me impressiona porque tem um cinema em cada esquina, e uma valorização muito forte da produção local. Então olho isso e entendo que a exibição de filmes periféricos ao redor do mundo faz parte da valorização cultural que o país promove”.

Cinema como resistência e arquivo vivo
Para Lincoln, o cinema nunca foi apenas entretenimento. Desde os primeiros filmes, ele enxergou a sétima arte como uma ferramenta para construir um “arquivo vivo” da periferia. “Um filme não é só um filme, tá ligado? Ele é a história de um lugar, a história do meu bairro”, reflete o cineasta. Essa visão foi moldada pela própria vivência em um ambiente onde a preservação da memória e das raízes sempre foi valorizada. “Na nossa família, nós sempre preservamos muito a nossa ancestralidade, a memória de onde nós viemos”, conta.
A falta de estrutura, no entanto, nunca foi um impedimento para Péricles, mas ele não romantiza a precarização. “Não foi nada bom fazer filme com pouca estrutura, não é bom e continua não sendo agradável”, reforça. Mas a vontade de criar e documentar falou mais alto. “A gente cria um arquivo audiovisual que seja nosso e que a gente consiga preservar”, explica. Essa determinação o levou a seguir em frente, mesmo sem recursos, inspirado pelo movimento cultural pulsante das periferias, dos saraus e das batalhas de rap. “Assim como um MC vai para uma batalha sem nada, como um poeta declama sua poesia no sarau, eu ia fazer meu filme”, compara.
Leia também: 8 Sebos do Recife: Um roteiro entre cultura e memória
Pensar novas formas de distribuição
Além da retrospectiva atual, seus filmes já foram exibidos no Chile, Estados Unidos e em outros países europeus. Mas o trabalho que hoje roda o mundo começou a ser distribuído de modo informal: “Eu distribuía nas banquinhas de DVD pirata da minha quebrada, que era a forma que estava mais perto de mim”, relembra. Com o avanço da internet, principalmente durante a pandemia, ele encontrou novas formas de alcançar o público. “Todos os meus filmes foram diretamente para o YouTube, principalmente os curtas”, conta.
Hoje, Lincoln Péricles enxerga as plataformas digitais como uma forma de democratizar o acesso ao seu trabalho. “Não faz muita diferença você estar passando num festival e estar passando na internet. Você só aumenta o tipo de público que recebe seu filme”, reflete. Ele também utiliza o WhatsApp como ferramenta de distribuição, entendendo que essa é uma janela importante para alcançar seu público. “A forma que o filme chega no nosso povo, às vezes é no WhatsApp, é num grupo do WhatsApp, tá ligado? Então eu quero estar ali também”, afirma.

Futuro e reconhecimento
Atualmente, Lincoln Péricles prepara uma grande retrospectiva de seu trabalho, que será exibida na SPCineplay, com curadoria de Maria Sucar e Renan Eduardo. Para ele, essa expansão é uma forma de aumentar a visibilidade de seu trabalho e, ao mesmo tempo, pensar em estratégias de monetização. “É essencial também pro nosso corre, sabe? Então, às vezes, lançar na internet de cara pode não ser a melhor opção para algumas pessoas que querem vender seus filmes. Mas pra mim, eu acho que sempre foi uma forma de aumentar o alcance do meu trampo”, conclui.