O Guinhol, na origem, é um personagem do teatro de fantoches, criado no século XIX em Lyon, na França. Inventado entre 1810 e 1812 por Laurent Mourget, a personagem – um trabalhador desempregado – ficou tão famoso que seu nome passou a ser reconhecido como um tipo de teatro manipulado por fantoches. Esta arte logo se espalha pela Europa recebendo uma série de nomes e chegando até o Brasil, sendo reconhecida logo pelo escritor João do Rio que, ao ver uma apresentação em uma praça carioca mencionou a tristeza por não haver tantos artistas para ocupar essa arte. O Guinhol, em sua origem, são histórias farsescas, baseadas em temas bastante populares como casamentos, confusões familiares, traições, entre outros e seus personagens, geralmente poucos, giram em torno deste pequeno núcleo familiar.
O poeta espanhol Federico Garcia Lorca, em 1931, compôs uma farsa feita para ser montada exclusivamente nos teatros de Guinhol, baseada nos moldes e nos temas comuns a este teatro, chamada Pequeno Retábulo de Don Cristóbal. Na história, um homem mau e aproveitador quer se casar a todo custo e tenta conquistar uma moça que imagina ser seu par ideal. Achando-se muito esperto, ele comete uma série de desvios para chegar a seu objetivo, mas, ao fim, acaba sendo enganado por sua esposa Rosita, uma moça livre, que adora a vida e principalmente estar com muitos homens. A farsa possui um forte caráter de metalinguagem, por apresentar um personagem Poeta e outro Diretor que tentam, a todo momento, intervir na vida e nas ações das personagens. Inclusive, o Poeta acredita na bondade possível de Cristóbal, enquanto que o Diretor, um tanto quanto autoritário, tenta obrigar ao Poeta a dizer aquilo que ele gostaria. A peça é introduzida por um belíssimo prólogo:
O poeta que interpretou e recolheu dos lábios do povo esta farsa de guinhol, tem certeza de que o público culto desta tarde saberá receber, com inteligência e coração limpo, a deliciosa e dura linguagem dos bonecos.
Todo guinhol popular tem este ritmo, esta fantasia e esta encantadora liberdade que o Poeta conservou no diálogo. O guinhol é a expressão da fantasia do povo e dá o clima de sua graça e de sua inocência.
Assim, pois, o Poeta sabe que o público ouvirá com alegria e simplicidade, expressões e vocábulos que nascem da terra e que servirão de limpeza numa época em que maldade, erros e sentimentos turvos, chegam à intimidade dos lares.
No decorrer das aventuras vemos tanto este Poeta quando o Diretor conduzindo e comentando a conversa, na função do reisoneur, muito comum nas comédias de costumes e outras do gênero. Ao fim, este diretor faz uma verdadeira ode a esta arte:
As palavras pesadas adquirem ingenuidade e frescor, ditas por bonecos que interpretam o encanto dessa velhíssima farsa rural. Encenemos o teatro de espigas secas, soltemos os palavrões, que lutem no palco com o tédio e a vulgaridade a que estamos condenados, e saldemos hoje em “Latarumba” a Don Cristóbal o andaluz, primo do Bululú galelo, cunhado da Tia Norica, de Cádiz; irmão do senhor Guinhol, de Paris, e tio de don Arlequim, de Bérgamo, como a um dos personagens no qual prossegue pura a velha essência do teatro.
A sensibilidade de Lorca, no entanto, aparece em uma espécie de nostalgia e homenagem ao guinhol e a toda essa arte quase esquecida pelos nossos tempos atuais.