Ritas, documentário de Oswaldo Santana e Karen Harley chega aos cinemas no dia 22 de maio, aniversário de Rita Lee. Quer dizer, o dia que ela mesma escolheu para comemorar o aniversário – dia de Santa Rita de Cássia.
Apesar de ter nascido no dia 31 de dezembro, é claro, e que como boa capricorniana, escutamos logo no início do documentário, Rita, conectada com a terra, não abandona o signo Terra.
O filme é leve e radical, como só poderia ser Rita Lee, esplendorosamente representada na telona. Entre frames caseiros e intimistas e imagens de acervo remasterizadas, o documentário faz jus à Rita, com seu lado animalesco e camaleônico.
Talvez esse texto siga por um lugar suspeito, já que nasci e cresci com ouvidos antenados no vermelho que, nas palavras da artista, é o sol na cabeça (cantando).
Quem já leu “Rita Lee: Uma autobiografia” se engana nos primeiros minutos, que seguem à risca o que vem descrito dentro do livro: entre fotos pessoais e comentários desconcertantes, Lee narra suas origens na Vila Mariana e ativa as memórias narradas ali dentro. Mas logo o roteiro pirueta e assistimos elementos gráficos ativarem a outra história. Confesso, não cheguei a ler a “Outra autobiografia”, mas desconfio que as imagens do documentário seguem por outros caminhos.
Assisti à pré-estreia de Ritas completamente despreparada e pega de surpresa. Alexandre Matias, às 16h de ontem, me pergunta se estou livre, e lá vamos nós. Três salas lotadas no Espaço Petrobrás de Cinema na Rua Augusta. Muitos rostos conhecidos passam diante dos meus olhos: amigos, famosos, atores, diretores, musicistas. Lucinha Turnbull, é claro. Rita Cadillac emocionada sentada na fileira abaixo da minha, ao lado de Guilherme Samora, com quem, e ao lado da sala lotada, compartilhei palmas e “parabéns para você” ao final da exibição.
Juntos, assistimos Rita Lee nos contar sobre o fiasco do álbum não lançado “Tutti-Frutti”, onde foi descrita como uma artista que “não faz sucesso”, nos mostrar arquivos das letras vetadas pela ditadura, dizer “chega!” a tropicália – sem deixar de enaltecer Gilberto Gil e Caetano como responsáveis pela entrega que aprendeu a domar nos palcos. Costurado por suas personagens, o documentário segue sempre em primeira pessoa, vez ou outra interceptada por locuções de entrevistas instigantes: imagens históricas que, com certeza, são um prato cheio para o público que não chegou a acompanhar a artista em vida.
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Por exemplo, a inauguração dos selinhos de Hebe Camargo, bem antes de enfrentar o sistema público de educação em rede nacional cantando “Obrigado, não.”, ou então declamar “Ave Maria” no início de “Todas as mulheres do mundo” ao lado de uma Miss Brasil sem roupa, ou ainda enfrentar policiais em seu show de despedida, em Aracaju.
Rita Lee, escutamos ao longo do filme, foi quem inaugurou a política dentro do Rock ‘n Roll – pudera, já que foi uma mulher e foi rockeira e “mpzista”, faceta que adquiri depois de cantar ao lado de João Gilberto.
Para além da importância de trazer luz sobre os feitos inegáveis da artista, que não se encerram nas questões de gênero ou explosões musicais – como o Rockarnaval –, o documentário também abraça um longo período de trabalho já que, segundo Oswaldo Santana, durou 5 anos antes de chegar aos olhos do mundo.
Gostaria de saber o nome de todos os artistas gráficos implicados na produção, pois fui pega de surpresa pelos orgasmos visuais que saltam na tela, unidos aos momentos precisos da narrativa construída.
Passar rasante pelo período “Os Mutantes”, e não se aprofundar em detalhes sobre a vida amorosa ao lado de Roberto de Carvalho são, aos meus olhos, pontos altos, dignos dos aplausos que escutamos ao fim da exibição. Ritas foca inteiramente na Rita, e nos lugares por onde passou, sem romantizar ideais imagéticos ou falar sobre uma grande perda nacional – pelo contrário.
A sala de cinema sonificada por risos, reações e canções em uníssono cria um ambiente íntimo raro hoje em dia e, preciso parafrasear uma moça com quem conversei logo depois do filme, “nós não sabemos o quanto Rita é adorada!”, talvez com a repercussão de Ritas possamos descobrir.
O filme se encerra com Rita de cabelos brancos com a lua na cabeça, falando sobre sua visão de morte-vida-deus-universo e, isso, por si só, é um alívio.