Em O menino que inventou uma cor, André Garcia parte da imaginação infantil para trazer uma história de descoberta da subjetividade
A característica mais marcante da infância é a capacidade de imaginação. Por ainda não terem sido contaminadas pelas forças da realidade, as crianças habitam um espaço entre o real e a fantasia, entre o brincar, o fabular e o mundo material, que lhe permitem imaginar para além das bordas da fantasia.
Melhor que isso, podemos dizer que a infância só existe porque imagina e só imagina porque não aprendeu a silenciar o sonho como produto da realidade. O sonho, para a criança, é também parte do real e não resultado final da vida “real”, uma espécie de arquivo morto do que foi vivido anteriormente.
Também por isso, a infância é marcada pela capacidade única de invenção: sem ser capaz de determinar as bordas do que há, toda infância gira em torno de um devir, de um vir a ser, de um eterno “pode ser” que inventa a todo instante como forma de existir e resistir. Esta é, talvez, o âmago da criação da obra O Menino que Inventou uma Cor, de André Garcia.
O Menino que Inventou uma Cor é um livro de André Garcia, com ilustrações de Alex Parahyba, publicado pelo selo “Asinhas”, parte integrante da editora Ases de Literatura. André Garcia é o pseudônimo de André Santos, um carioca economista que atua há mais de 25 anos em grandes corporações, mas que escreve poemas, crônicas e histórias voltadas para as crianças desde que se entende por gente. Incentivado por suas filhas e seu enteado, resolveu lançar para um mundo uma de suas histórias.
Foi assim que nasceu, durante a pandemia, O Menino que Inventou uma Cor, um livro infanto-juvenil, todo ilustrado, que conta a história do menino Miguel, uma criança cheia de imaginação que um dia acorda com uma ideia: a invenção de uma nova cor.
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Diante de sua mesinha e de seus lápis de giz de cera, Miguel mistura cores até chegar à sua descoberta: a nova cor “coralice”, inspirada no nome que gostaria que sua irmãzinha tivesse quando nascesse. Assim que descobre esta nova cor, a coralice, Miguel corre para contar para sua mãe, que apesar de amá-lo profundamente, não lhe dá muita atenção. É quando Miguel percebe que se ele próprio não valorizasse sua invenção, sua nova cor, ela poderia desaparecer:
Miguel voltou para o seu quarto, pensando como os adultos não enxergam a magia da vida. Um dia, entenderiam melhor as coisas…resolveu só revelar sua coralice para poucos. Tinha medo de alguém apagá-la.
Na escola, o menino conta de sua nova cor para um amigo, assim como é acolhido com entusiasmo pela professora de Artes e pelo professor de Música: Miguel era, agora, alguém importante, um inventor. Além disso, sua avó, com sua comida deliciosa e seu bolo de chocolate, também incentiva sua criação, deixando Miguel reflexivo sobre a importância da cor para quem ele era, ou seja, a cor como parte integrante na construção de sua subjetividade.
O mais potente e singelamente gracioso no livro, é que André opta por dar a coralice não apenas um status fabular, ou seja, de fazer com que a história seja literalmente sobre a invenção da cor. Ao contrário, o livro habita um campo em que reciprocamente a criação e a criatura se veem como espelhadas. Enquanto lemos o livro, vamos entendendo que coralice é intrinsecamente uma parte visível da potência da existência de uma criança, assim como Miguel é uma força intrinsecamente ligada à própria autoria de André.
A cor inventada é, nada mais nada menos, que uma forma de lançar luz à imaginação infinita da criança que geralmente é negligenciada por um mundo de telas, normas, regras e ocupações. A cor que pode até ser vista, mas não será capturada por todos ao menos que Miguel faça ela existir.
Coralice existe porque é cultivada interiormente por Miguel, ou seja, é parte de sua potência criadora, por isso Miguel decide que sua cor não é um fim em si, mas um modo de existir: é usando, repetindo e inventando eternamente a coralice que ela terá vida. Talvez, no dia em que ela for apagada, por fim Miguel virará um adulto. Será?
O fato é que coralice, a nova cor que passa a habitar a vida de Miguel, passa a ser uma das partes mais importantes de si, uma vez que Miguel decide que coralice estaria com ele em todos os momentos de sua vida:
Decidiu que pintaria coralice por toda sua vida e que nunca deixaria que ela chegasse no ponto. Afinal, se ela chegasse num ponto, para onde ela iria?
Mas…como manter viva esta cor dentro de si? Talvez, fazendo como faz André: dando voz e cor à sua imaginação, tornando a vida um espaço constante de criação e recriação de nossos desejos.
O Menino que inventou uma cor é daqueles livros que precisamos contar para nossas crianças, não só porque elas têm muito a aprender com ele, mas porque elas precisam incorporar em suas vidas a potência de criação.
No fim das contas, Miguel e André são faces da mesma infância, criador e criatura que fazem da literatura um espaço potente de invenção e imaginação. Só assim as novas cores nunca vão desaparecer. Só assim a infância nunca vai acabar.