A morte de um papa – e, com ela, a iminência de um conclave – não é somente um evento religioso de repercussão global – é também, inevitavelmente, um gesto simbólico que reacende o fascínio coletivo pelo Vaticano, seus rituais milenares, suas disputas internas e suas zonas de sombra. Com suas fumaças brancas e negras, seus votos secretos e sua liturgia repleta de ambiguidade entre o sagrado e o político, o conclave já inspirou uma miríade de interpretações na literatura, no cinema e na televisão. Em parte por sua opacidade institucional, em parte pelo magnetismo narrativo de uma eleição envolta em mistério, esse processo tornou-se terreno fértil para a ficção – tanto para as versões que o tratam com reverência quanto para as que o abordam com ceticismo, sátira ou pura especulação.
O papado, como figura e instituição, ocupa um espaço privilegiado no imaginário ocidental. Entre o pontífice quase mítico e o chefe de Estado frágil e humano, o sucessor de Pedro e o político envolvido em tramas terrenas, a figura do papa é reimaginada repetidamente – às vezes como herói, outras como mártir, vilão ou até refém de sua própria coroa branca. Reunimos aqui uma seleção de obras de ficção e não-ficção que, por diferentes ângulos, se debruçam sobre o papado e o conclave, investigando não apenas o que acontece dentro das paredes da Capela Sistina, mas também o que essas histórias revelam sobre fé, poder, medo, transformação e – como toda boa ficção – sobre nós mesmos.
Anjos e Demônios – Dan Brown (Livro: 2000; Filme: 2009)

Antes de “Conclave”, Anjos e Demônios era, talvez, a mais icônica representação contemporânea do conclave no universo da ficção popular. Embora extremamente dramático e fugindo bastante da realidade histórica – afinal, Dan Brown é conhecido por se aproximar da história como Alexandre Dumas (isto é, nunca deixar a realidade atrapalhe uma boa história ou, nas palavras mais crassas do escritor francês, “se estupro a história, é para lhe dar um filho”) -, o filme e, sobretudo, o livro trazem discussões interessantes sobre religião e fé, além de serem eletrizantes e, é claro, de entreterem – sua principal função.
No livro de Dan Brown – que antecede O Código Da Vinci na saga de Robert Langdon –, a morte suspeita de um papa leva a Igreja a um conclave turbulento, em meio a uma conspiração que envolve os Illuminati e uma ameaça terrorista capaz de destruir o Vaticano. A premissa central pergunta: o que aconteceria se os quatro principais candidatos ao papado fossem sequestrados e assassinados em público por terroristas? A partir daí, um thriller sobre ciência, história, fé e o papel e as necessidades da Igreja no mundo moderno nasce. O romance, repleto de reviravoltas e de um ritmo vertiginoso, explora não apenas os bastidores da eleição papal, mas também coloca em xeque as tensões entre ciência e religião, tradição e modernidade.

A adaptação cinematográfica, dirigida por Ron Howard e lançada em 2009, suaviza algumas das polêmicas religiosas do livro, e corta certas linhas narrativas secundárias que davam mais profundidade às discussões sobre ciência, religião, conservadorismo e fanatismo religioso, mas mantém a essência conspiratória e o espetáculo visual. Embora amplamente criticada pela superficialidade com que trata temas complexos, a obra consolidou ainda mais o fascínio popular pelos mistérios da Santa Sé.
Dois Papas (2019)

Dirigido por Fernando Meirelles e roteirizado por Anthony McCarten, Dois Papas é um daqueles raros filmes que consegue equilibrar densidade política com um tom humanizado e, em muitos momentos, surpreendentemente bem-humorado. Lançado em 2019 e disponível na Netflix, o longa dramatiza os encontros – fictícios, embora inspirados em fatos reais – entre o papa Bento XVI e o então cardeal Jorge Mario Bergoglio, futuro papa Francisco, nos meses que antecederam a renúncia histórica de Bento.
Muito elogiado por sua sensibilidade e por seu elenco brilhantemente empregado, sua reflexão sobre poder, fé e transformação dentro da Igreja Católica – além, é claro, de ser atualíssimo, representando os dois papas mais recentes – faz dele essencial numa lista sobre o tema. A força da obra está tanto no roteiro, que cria diálogos afiados e por vezes emocionantes, quanto nas atuações memoráveis de Anthony Hopkins e Jonathan Pryce. Mais do que um retrato político, Dois Papas oferece um olhar sobre o dilema espiritual dos protagonistas, dialogando diretamente com o momento atual da Igreja e sua eterna tensão entre tradição e renovação. Dando particular ênfase ao passado de Bergoglio e seu caminho até o papado, também é excelente para quem quer saber mais sobre o falecido Papa Francisco.
O filme é baseado no livro homônimo, escrito pelo próprio roteirista Anthony McCarten e lançado em 2017. Ao contrário do filme, o livro é uma obra de não-ficção, recontando as histórias de Bento XVI e Francisco, seus caminhos até o Papado, e as polêmicas que levaram à renúncia histórica de Bento, além de mergulhar no conclave que elegeu Francisco. Embora mais factual e informativo do que dramático, o livro funciona quase como um making of conceitual da obra cinematográfica, oferecendo um retrato detalhado dos dois pontífices e do momento de transição que abalou a Igreja. McCarten costura uma narrativa acessível e envolvente que complementa e aprofunda os temas do filme, servindo como um contraponto menos poético e mais analítico à abordagem de Meirelles – e também como companheiro interessantíssimo para compreender esse Conclave, citando, inclusive, os nomes de alguns cardeais que quase foram papas no último conclave, e que podem surgir novamente nesse.
Conclave (2024)

Conclave, dirigido por Edward Berger e com estreia em 2024, surge como uma adição relevante ao subgênero de suspense político e religioso. Baseado no romance homônimo de Robert Harris, o filme mergulha na eleição papal após a morte de um pontífice, acompanhando o cardeal Lawrence, interpretado por Ralph Fiennes, que se vê às voltas com segredos e conspirações enquanto o mundo observa ansiosamente a fumaça branca. A trama, embora ficcional, constrói uma tensão palpável ao explorar as dinâmicas de poder internas ao Vaticano, refletindo sobre moralidade, lealdade e o peso da fé.

O filme, que concorreu à vários Oscars, se tornou um dos mais assistidos ao redor do mundo desde o falecimento do Papa Francisco. Com um elenco magnífico, uma produção muito bem feita e um final surpreendente, é uma abordagem moderna e atual do tema da eleição de um novo papa, perfeita para quem gosta de política e dos bastidores do poder. O livro original, publicado em 2016, já se destacava pelo realismo com que descrevia os ritos do conclave e pelas nuances psicológicas dos personagens, algo que o conseguiu preservar com bastante competência.
Leia também: Conclave – Filme sobre a escolha do papa celebra os bons sentimentos ao denunciar a politicagem suja nas religiões
Habemus Papam (2011)

O italiano Habemus Papam (2011), dirigido por Nanni Moretti, é uma das abordagens mais originais sobre o tema. O filme narra a história de um cardeal idoso que, surpreendentemente eleito papa, entra em crise existencial e se recusa a assumir o cargo – para desespero do Vaticano, que contrata um psicanalista para lidar com a situação sem precedentes. O título em português manteve-se como Habemus Papam, sendo exibido e distribuído no Brasil sem tradução adicional.
Moretti usa a premissa para construir uma sátira delicada e, ao mesmo tempo, uma reflexão profunda sobre responsabilidade, medo e a solidão do poder. Sem grandes escândalos ou conspirações, o filme prefere abordar o humano por trás da figura papal, algo raro no cinema sobre o tema, e o faz com um equilíbrio raro entre humor melancólico e crítica social.
O roteiro do filme foi transformado em livro no mesmo ano de seu lançamento, com o título Habemus Papam – Uma história possível, escrito por Nanni Moretti, Francesco Piccolo e Federica Pontremoli. Publicado na Itália pela Feltrinelli, o livro é uma novelização do roteiro, que aprofunda certas reflexões internas do protagonista e desenvolve cenas com um ritmo mais introspectivo. O texto complementa o longa ao oferecer mais espaço para os dilemas psicológicos do papa relutante, funcionando como uma extensão literária de um dos retratos mais sensíveis já feitos da figura pontifícia.
The Young Pope (2016) e The New Pope (2020)
As séries The Young Pope (2016) e sua sequência The New Pope (2020), ambas criadas por Paolo Sorrentino, são exercícios de ousadia estética e narrativa. Protagonizadas por Jude Law (como Pio XIII) e, posteriormente, John Malkovich (como João Paulo III), as produções mergulham num Vaticano hiper-estilizado e quase surreal, onde política e fé se entrelaçam em jogos de poder, segredos e ambições pessoais.
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The Young Pope, transmitida no Brasil sob o mesmo título, causou furor ao retratar um papa jovem, belíssimo e ultraconservador, desafiando as convenções da Igreja enquanto se embrenha em crises pessoais profundas. The New Pope, por sua vez, expande o universo, refletindo sobre fé e idolatria numa sociedade mediada pela imagem. Ambas as séries são fascinantes não apenas pela trama, mas pela estética singular de Sorrentino, que transforma o Vaticano em cenário de delírios visuais inesquecíveis.
Os Bórgias (2011–2013)

Para quem gosta de história, Os Bórgias (2011–2013) é uma excelente opção. Provocadora – seus slogans incluem “O sangue e a carne”, “Sexo. Poder. Assassinato. Amém.”, e “Infernais” – , com uma estética impecável e um elenco brilhante, a série criada por Neil Jordan resgata a história da família Bórgia, uma das mais infames da história papal – conhecida como “a profana família”, e considerada por muitos a “família do crime original” – isto é, a primeira família de crime organizado / máfia da história italiana. Centrada no papa Alexandre VI (Rodrigo Bórgia), vivido por Jeremy Irons, e em seus filhos (!!!), em particular os famosos César Bórgia (grande inspiração de Nicolau Maquiavel em seu “O Príncipe”) e Lucrécia Bórgia (conhecida por sua beleza e por seus supostos talentos como envenenadora). A produção dramatiza o período renascentista da Igreja com doses generosas de intriga política, corrupção, escândalos sexuais e assassinatos, mostrando também os muitos rumores a respeito dos envenenamentos e casos de incesto pelos quais essa família papal era conhecida.
Fundamentais para a história de Roma e do catolicismo, os Bórgia são algumas das mais famosas (e infames) figuras do papado, e seriam definidoras não apenas para a Igreja, mas também para o Renascimento italiano como um todo. A série se destaca por sua recriação luxuosa da Roma do século XV e pelo retrato visceral de um papado marcado por ambição desmedida e estratégias maquiavélicas. Mais do que mero entretenimento, The Borgias oferece um lembrete de que o papado, ao longo da história, nem sempre foi sinônimo de santidade – e que, muitas vezes, os corredores do Vaticano se assemelharam mais a campos de batalha do que a templos de oração.
The Papacy – Paul Johnson (Livro: 1997)

The Papacy, do historiador britânico Paul Johnson, publicado em 1997, é um dos mais abrangentes ensaios históricos sobre o papado já escritos para o público geral. Embora não seja um romance nem uma obra dramatizada, o livro lança luz sobre as múltiplas facetas do cargo mais influente da Igreja Católica – espirituais, políticas, morais e simbólicas. Johnson, conhecido por sua prosa clara e seus posicionamentos contundentes, percorre quase dois milênios de história pontifícia, traçando uma linha entre os papas que exerceram liderança espiritual genuína e aqueles que usaram o trono de São Pedro como instrumento de poder temporal, herança dinástica ou fortuna pessoal.
O livro, infelizmente ainda inédito no Brasil, funciona como um antídoto contra as visões romantizadas – ou demonizadas – do papado. Com uma honestidade intelectual que chega a ser incômoda em certos momentos, Johnson revela os bastidores de cismas, conclaves turbulentos, alianças espúrias e reformas necessárias. Sem esconder suas próprias convicções religiosas, o autor oferece ao leitor um panorama de erros e acertos, iluminando a história dos papas como reflexo direto da história da própria Europa. Não se trata de uma narrativa escandalosa, como a de Dumas, nem de uma dramatização artística, como a de Moretti: The Papacy é história, em sua forma mais direta, lúcida e necessária – especialmente em tempos em que o mundo, mais uma vez, volta seus olhos para a cúpula da Basílica de São Pedro.
O Poderoso Chefão – Parte III (1990)

Embora seja frequentemente lembrado como o capítulo mais controverso da trilogia de Francis Ford Coppola, O Poderoso Chefão – Parte III (1990) é, na verdade, a entrada mais explicitamente política e teológica da saga. Neste terceiro ato da jornada de Michael Corleone, o Vaticano aparece como força motriz de vários dos conflitos centrais da trama – não apenas como símbolo moral, mas como instituição financeira e política de influência global. O enredo gira em torno da tentativa de Michael de legitimar os negócios da família por meio de uma aliança com a Santa Sé, especificamente através da aquisição do banco do Vaticano, numa operação inspirada em escândalos reais, como o do Banco Ambrosiano.
A eleição de um novo papa – evidentemente inspirado em João Paulo I – e sua misteriosa morte em poucos dias tornam-se elementos dramáticos importantes para a trama, misturando ficção e realidade com habilidade. A Igreja, que já funcionava como pano de fundo moral nas duas primeiras partes, torna-se aqui protagonista silenciosa, mergulhada em corrupção, alianças mafiosas e jogos de poder. O Poderoso Chefão III, portanto, é menos um filme sobre a máfia do que sobre redenção, culpa e os limites da espiritualidade frente à decadência moral – temas encarnados na figura de um Michael Corleone envelhecido, que tenta a todo custo salvar sua alma. É, por tudo isso, uma obra fundamental na discussão do papado e suas complexas intersecções com o poder terreno.
Medici (2016–2019)

A série Médici, lançada entre 2016 e 2019, é um drama histórico que acompanha a ascensão da influente família Médici no coração do Renascimento italiano. Embora o foco principal esteja nas intrigas políticas e econômicas da Florença do século XV, a influência do papado e do conclave aparece como elemento fundamental da narrativa, em todas as temporadas – em primeiro lugar, com a família de banqueiros ascendendo ao poder graças à sua ajuda em manipular um conclave, e mais tarde com a fortuna da dinastia mudando com os papas – incluindo momentos históricos reais, como a conspiração dos Pazzi, financiada e apoiada pelo papa Sisto IV, a criação da Capela Sistina, e a preparação para a eleição de não apenas um, mais dois papas Médici.

A Igreja é retratada como um espaço de ambição e alianças, onde o papado é conquistado – e disputado – com o mesmo fervor com que se travam guerras territoriais, e toda a corrupção, política e influência da Igreja e do Papa no período. A série não apenas evidencia a simbiose entre poder espiritual e poder secular, como também revela o papel dos Médici na nomeação de papas e no financiamento da própria Cúria Romana.
Com produção de alto nível e elenco estrelado (incluindo Dustin Hoffman e Richard Madden), Médici se vale de uma estética sofisticada e uma dramatização eficiente para reconstituir um dos períodos mais complexos da história europeia. Embora tome liberdades criativas consideráveis, a série é um lembrete visual poderoso de que, durante boa parte da história da Igreja, o conclave foi tão suscetível a influências externas quanto qualquer outra arena política – e que, por vezes, os cardeais usavam o Espírito Santo como argumento para justificar decisões tomadas em nome de famílias, alianças e fortunas.
Os Bórgia – Alexandre Dumas (Livro: 1840)

Pouco lembrado hoje fora dos círculos literários mais especializados, Os Bórgia, escrito por Alexandre Dumas em 1840 como parte da coleção Crimes Célebres, é uma narrativa histórica que reconstrói os bastidores mais sórdidos do papado renascentista. Dumas não poupa adjetivos ao retratar Rodrigo Bórgia (o futuro papa Alexandre VI) e seus filhos Cesare e Lucrécia como personagens trágicos e monstruosos, moldados por uma época de brutalidade e decadência moral. Com seu estilo característico – dramático, envolvente e assumidamente tendencioso –, Dumas reconta os episódios mais infames da família: incesto, assassinatos, corrupção, alianças militares e a manipulação do próprio conclave que elegeu Rodrigo.
Embora longe da imparcialidade histórica, Os Bórgia é uma leitura deliciosamente escandalosa que ajudou a fixar a imagem da família como sinônimo de pecado dentro do Vaticano. O livro não apenas participa da tradição romântica de reencenar episódios sombrios da história como verdadeiros espetáculos teatrais, como também contribuiu decisivamente para a construção moderna do mito dos Bórgia. Ao fazê-lo, Dumas oferece ao leitor mais do que um panfleto moralista: um estudo de personagem profundamente político, onde o trono de Pedro é, antes de tudo, um trono de sangue.
The Borgias – Mary Hollingsworth (Livro: 2011)

Publicado em 2011, The Borgias: Power and Fortune, da historiadora britânica Mary Hollingsworth, é uma das obras mais completas e respeitadas já escritas sobre a família Bórgia – e, por extensão, sobre o funcionamento do papado renascentista. Com rigor acadêmico e narrativa acessível, Hollingsworth reconstitui o percurso meteórico de Rodrigo Bórgia até o trono papal como Alexandre VI, bem como as estratégias de poder de seus filhos, Cesare e Lucrécia, numa Itália fragmentada por disputas entre reinos, cidades-estado e famílias nobres. O livro desmonta os mitos consolidados em torno da família – muitos deles amplificados pela literatura de ficção, incluindo o próprio Dumas e a série televisiva –, ao mesmo tempo em que reconhece o alcance histórico da influência dos Bórgia dentro e fora da Igreja.
Longe da caricatura depravada, mas sem poupar críticas duras, Hollingsworth pinta um retrato complexo de um papado profundamente político, inserido numa lógica de nepotismo, corrupção e alianças estratégicas. A autora contextualiza com precisão o funcionamento do conclave como um campo de batalha diplomático, onde alianças podiam ser seladas por dotes, promessas territoriais ou concessões militares. É uma leitura fundamental para quem deseja compreender a linha tênue entre fé e poder no Vaticano renascentista, e um contraponto sóbrio – mas não menos fascinante – às versões romantizadas e às adaptações televisivas da história dos Bórgia.