Da ficção histórica ao gore: 5 livros perturbadores que valem o desconforto

Inspirado em um vídeo no Instagram e em uma lista de leitura que tenho com o título “Como vim parar aqui meu Deus eu só tenho 6 anos”, em referência ao meme, trago hoje aqui no Nota 5 livros perturbadores que valem o desconforto. Utilizando da realidade a fantasia, do horror ao gore, são livros que cada um a sua maneira e em seu gênero nos fazem encarar as faces mais sombrias da humanidade.

Atos Humanos”, Han Kang. Tradução Yi Yun Kim. Todavia, 2021.

Segundo livro da sul-coreana Han Kang, agora Nobel de Literatura, publicado no Brasil e traduzido para o português brasileiro por Ji Yun Kim, é uma ficção polifônica com vozes que viveram o horror, que foram privadas de dignidade em um evento que ficou conhecido como o Massacre de Gwangju, em 1980, sob a ditadura militar do general Chun Doo-hwan. Vozes que nos conduzem menos pelo fato histórico e mais pelas sensações, pelas ausências e pelos silêncios. É um livro belíssimo e doloroso na mesma proporção. Uma forma de honrar os fantasmas dos que se foram e dos que ficaram enquanto se investiga a humanidade e a brutalidade que parece sempre nos acompanhar.

Miso Soup”, Ryu Murakami. Tradução Jefferson José Teixeira. Companhia das Letras, 2005.

O enredo gira em torno de um jovem guia de turismo sexual no Japão da década de 90 e o estranho e soturno norte-americano que ele recepciona as vésperas do Ano Novo. Enquanto mergulhamos na vida noturna nada tradicional de Tóquio, o jovem começa a desconfiar de seu cliente enquanto alguns assassinatos ocorrem pela cidade. Porém, ele não consegue se desvencilhar, assim como nós não conseguimos virar os olhos de cenas que abraçam o gore e nos deixam em choque.

Nossa parte de noite”, Mariana Enriquez. Tradução Elisa Menezes. Intrínseca, 2021.

Tendo como pano de fundo a Argentina dos anos 80 e 90, mas também voltando aos anos 60 e 70, “Nossa parte de noite” é um livro perturbador, tenso, e que aos poucos nos envolve em um submundo de escuridão e disputas por poder. Ele começa com Juan e Gaspar, pai e filho, indo de carro de Buenos Aires até Misiones, província onde ficam as famosas Cataratas do lado argentino da fronteira e reduto dos Bradford, a rica e influente família de Rosario, mãe do menino e que havia morrido sob circunstâncias suspeitas. É uma viagem obscura, sob o peso do luto e da incerteza, pois além dos militares, eles precisavam se esquivar também da família que buscava tomar o que considerava dela por direito, no caso, uma herança perturbadora, uma conexão com um poder sombrio e que os ricos em sua soberba se achavam no direito de controlar.  Mariana Enriquez tem uma capacidade ímpar de despertar o horror, o terror, o asco, e faz tudo isso de forma deslumbrante e daquele jeitinho argentino onde sempre cabe futebol, superstição e crise econômica.

Leia também: 5 autoras para conhecer a literatura japonesa contemporânea 

Sacrifícios Humanos”, María Fernanda Ampuero. Tradução Silvia Massimini Felix. Moinhos, 2022.

Nessa reunião de contos da equatoriana María Fernanda Ampuero, a história de abertura, “Biografia” já nos tira o fôlego de primeira enquanto a personagem congela por dentro de medo e horror, mas não vê outra saída a não ser seguir adiante. “Escolhidas” é outro conto que chama a atenção por abordar os corpos que são odiados e os que são amados, além dele terminar com uma cena grotesca, super cinematográfica e em uma vibe totalmente wicca. De uma forma geral, são histórias muito violentas, hostis, degradantes, reais e incômodas. O ser humano como a grande besta, o inferno e o demônio de si mesmo.

Terráqueos”, Sayaka Murata. Tradução Rita Kohl. Estação Liberdade, 2021.

Sayaka Murata escreve buscando respostas, como uma criança tentando compreender as regras do mundo. Em “Terráqueos”, Natsuki, protagonista e narradora, desde pequena sentia-se deslocada no que ela chama de “Fábrica de gente”, nada mais, nada menos que a sociedade na qual seus habitantes devem se sujeitar ao ciclo nascer, produzir e reproduzir enquanto tenta-se sobreviver. Sem acolhimento dentro da própria família, sofrendo os mais diversos abusos, inclusive sexual, e com medo de ser expulsa da “Fábrica”, ela se agarra a ideia de que ela e seu bichinho de pelúcia mágico, Piyut, são extraterrestres do planeta Powapipinpobopia. Contudo, diante de sucessivas falhas em se ajustar a essa sociedade, ela, seu primo Yuu e seu marido Tomoya, também deslocados nesse mundo, decidem abraçar de vez a natureza extraterrestre e rompem com as leis terráqueas, e apenas ao assumir essa forma e entregar-se ao absurdo e ao grotesco Natsuki parece reconhecer a si mesma pela primeira vez. 

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