No céu da Pátria nesse instante (2023): documentário brasileiro revive angústia das eleições presidenciais de 2022

Se a contagem de votos das eleições presidenciais de 2022 no Brasil fosse realizada a partir de um sistema eleitoral como o dos Estados Unidos, o caos seria ainda maior do que aquele que se instaurou a partir da reeleição do presidente Lula e deu origem aos ataques golpistas do 8 de janeiro.

Nessa última corrida presidencial americana, que reelegeu Donald Trump, a contagem levou alguns dias, já que precisou apurar os votos em cédulas locais e as enviadas por correio. Não é possível dizer que o resultado foi 100% apurado, já que, entre outros incidentes, urnas e votos foram queimados durante o processo eleitoral.

“E é isso que querem para o Brasil!”, observa indignada uma das mesárias atuantes nas eleições presidenciais brasileiras de 2022. Essa foi uma das participantes registradas no documentário de Sandra Kogut: No céu da Pátria nesse instante (2024). Entre outros elementos, o longa mostra a mística que existe em torno de uma busca por um processo eleitoral “justo”, embora, diferentemente da democracia americana, a nossa seja baseada em votos realmente diretos e não dependa de um cálculo percentual tão complicado.

As gravações mostram os dias que antecedem os dois turnos nas eleições 2022 em vários estados do Brasil como Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Amazonas, o processo da contagem dos votos e uma breve parte dedicada à repercussão dos resultados. 

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Em cada região do país, o documentário da diretora e roteirista carioca retrata grupos de eleitores realmente envolvidos no processo, seja como cidadãos comuns ou como mesários que, como o próprio filme destaca, são os anfitriões dessa grande festa da democracia. Um desses personagens bem observa, inclusive, que às vésperas dessa festa da democracia no Brasil, foram também a caminhada para uma ruptura democrática.

Um desses participantes é Marcelo Freixo, que aparece, ao lado de sua esposa Antônia Pellegrino, vivendo a corrida para a sua própria eleição ao governo do estado do Rio de Janeiro. Não sabemos se candidatos da oposição não quiseram, não puderam ou não foram convidados a contribuir com o documentário. Contudo, os grupos apresentados por Kogut em No céu da Pátria nesse instante são de ambos os posicionamentos, alguns eleitores de Lula e outros eleitores de Bolsonaro, nenhum votante em branco ou nulo declarado.

Neste filme, a diretora tem uma vantagem de produção que pode ser vista por alguns como um atalho que compromete a legitimidade da obra, mas que bem na verdade colabora para que o registro seja mais autêntico. Kogut não grava todo o material presencialmente com uma equipe própria em cada região e grupo abordado. Ela orientou que cada núcleo de participantes gravasse as próprias conversas e interações, em alguns momentos, conversando com a própria diretora em videochamadas, em outros, vivendo a própria rotina. 

Se, de fato, a presença da câmera do documentarista altera o comportamento dos “personagens” do cinema documental, como afirma o cineasta alemão Werner Herzog, essa facilidade beneficiou a veracidade do filme de Kogut, além de certamente ter segurado o orçamento.

Um período de grande tensão capturado pelas gravações é a contagem de votos do segundo turno. Nessa parte, algum telespectador posicionado à esquerda do espectro político pode se perguntar se o eleitor de direita realmente é tão caricato ou essa é a perspectiva da sua lente sociocultural. O filme mostra que no domingo do 30 de outubro de 2022, alguns dos eleitores de Bolsonaro começam o dia indo à igreja, fazendo orações e clamores em prol do futuro da nação e chegam às 19 horas maldizendo o país com linguagem chula sob promessas de vender tudo e partir para o exterior. “Isso só prova quantos bandidos tem nesse país…”, uma das primeiras declarações após ter Lula eleito para o seu terceiro mandato.

Sandra Kogut não causou o impacto da câmera ou de perguntas guiadas para conduzir os seus participantes. Eles apenas agiram naturalmente sob as próprias lentes. Não sabemos se a reação dos eleitores de Lula seria igualmente risível em caso de derrota. O destino que pudemos contemplar foi os eleitores de Bolsonaro dizendo “Deus abençoe o Brasil” às 8 da manhã” e depois “O Brasíl que se foda” às 8 da noite, em meio a hipóteses de fraude das eleições e a revelação da suposta caixa preta das urnas eletrônicas.

A angústia do pós-votação foi muito maior do que a da contagem de votos, uma vez que se estendeu por meses e culminou na bomba no aeroporto de Brasília no dia 24 de dezembro de 2022 e no fatídico 8 de janeiro de 2023. No céu da pátria nesse instante poderia ter mergulhado mais neste caos, revelando desde o bloqueio de rodovias logo a seguir ao dia das eleições até as articulações que levaram ao atos golpistas na Praça dos Três Poderes em janeiro de 2023 em Brasília. Dessa forma, o documentário poderia prestar ainda mais serviço ao público ao desvendar mais engrenagens do populismo de direita.

Mas não tivemos isso, nem a cena do patriota no caminhão.

Minha nota para No céu da pátria nesse instante é três estrelas e meia.

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