Há um mal comum a quase todos os filmes marcados com o selo “Original Netflix”: são obras feitas para privilegiar o espectador que não presta muita atenção, cuja experiência com a narrativa, frequentemente, conta com um celular entre o olhar do espectador e a tela, pegando pedaços de cenas aqui e ali. Assim, são obras que buscam se repetir o máximo que podem, para o espectador desatento nunca se sentir deslocado. Ele finge que vê o filme, e a empresa está mais do que satisfeita em alimentar essa ilusão, tudo em nome das métricas.
Biônicos é mais um desse tipo de produto, onde a premissa básica é reiterada pelo menos umas três vezes ao longo de suas quase duas horas de duração. Sendo justo, ela é até interessante, se passando em um mundo futurista onde as próteses se tornaram tão desenvolvidas que atletas PCD’s se tornaram “biônicos”, capazes de realizarem feitos muito maiores e mais impressionantes que os esportistas comuns, que foram ostracizados dos grandes eventos, com alguns até mesmo forjando acidentes para poderem ter acesso às próteses e voltarem a competir.
Dentro desse cenário, estão as irmãs Maria (Jéssica Córes), e Gabriela (Gabz), ambas atletas de salto em distância, mas com uma diferença crucial: Gabriela é biônica, e recebe toda a fama, dinheiro e atenção, enquanto Maria fica com o anonimato, observando todos os louros que poderia ter, se não fosse pela revolução tecnológica. As coisas mudam quando seu caminho cruza com Heitor (Bruno Gagliasso), que lhe oferece uma oportunidade de virar sua sorte, mas o custo dessa mudança pode ser muito alto.
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Há diversos elementos em jogo para uma narrativa intrigante, observando como as transformações tecnológicas afetam as relações humanas, mas o roteiro não procura ir muito além nos seus conceitos, nem questiona as bases da sociedade criada, a ponto que a grande proposta dos vilões é… criar mais biônicos, forjando acidentes e roubando os chips necessários para as próteses funcionarem. Nada de questionamento de status quo, todos querem fazer parte do sistema.
Não ajuda muito o fato de o Biônicos sentir a necessidade de, a todo momento, reafirmar os aspectos mais básicos da sua história, do jeito mais desengonçado possível. Por exemplo, o personagem de Danton Mello, o Detetive Guerra, em sua cena de introdução, observando o corpo de um homem com um braço biônico pirata, comenta: “É preciso um chip para controlar isso, não?”, somente para sua fala servir de introdução aos NIM, elemento necessário para o uso das próteses. Ah, e não se preocupe, isso será reapresentado novamente mais à frente. O longa, ao invés de apostar na ação para esclarecer os elementos do seu mundo, prefere colocar tudo na boca dos personagens, diversas vezes, para garantir que o espectador desatento não fique perdido.
Assim, o universo proposto pelo filme soa frágil e simplista. Outro exemplo disso é o quão pouco vemos de outros esportes a não ser o salto em distância, e de outros atletas a não ser Gabriela e Maria. É afirmado frequentemente que as próteses mudaram tudo, mas fora desse recorte muito específico, pouco disso é testemunhado. Isso sem contar nas implicações para a sociedade como um todo que, fora do esporte, são pouco mencionadas.
A falta de imaginação se estende à maneira de como os feitos dos atletas biônicos são retratados, no caso, somente os saltos das irmãs, sempre acompanhado de slow motion, seguido de um close na expressão do personagem. Nem dentro de uma mesma sequência existe uma variação, onde quatro saltos seguidos são representados seguindo o mesmo padrão de sempre.
Logo, fora de efeitos especiais bem avançados em relação à outras obras brasileiras, Biônicos não se destaca, o que é perfeito para a plataforma, na verdade. Ele segue a tendência de outros filmes da Netflix, como Alerta Vermelho e Lift – Roubo nas Alturas, são obras que criam a ilusão de ter algo acontecendo na tela, o bastante para enganar os desatentos, mas não para quem de fato quer assistir a um filme.