Ficção-científica, hierarquia social e mecanismos de poder permeiam O homem-formiga, de Han Ryner
“Como balbuciar o que se tornou para mim, naquele minuto de agonia,
o universo colorido? Todas as nuances eram novas,
sem nome, sem relação com nenhuma lembrança”.
Han Ryner (O Homem-formiga)Em 1901, pouco mais de uma década antes de A Metamorfose, de Franz Kafka, o escritor francês Han Ryner publicava a fantástica história de um ser humano que se torna inseto: O Homem-formiga, cuja a tradução inédita em língua portuguesa será lançada pela Editora Ercolano. Neste romance, o leitor vive a aventura de uma pessoa comum que, após um encontro com uma fada, se transforma em formiga.
Escrita em 42 capítulos engenhosamente estruturados, essa história inter-espécie, curiosa pela naturalidade com que os acontecimentos são narrados, antecipa o gênero da ficção científica, trazendo diversos temas atuais, sob a óptica do narrador Octave Péditant, um “turista da mutação”, segundo o prefaciador do livro, Schneider Carpeggiani.
Octave é um homem de seu tempo. Vive ancorado no desgosto de sua vida burguesa, em pleno contexto positivista na França da segunda metade do século XIX. Funcionário público e herdeiro, ele contrai um casamento morno, sem vida social intensa… Um belo dia, do nada, uma fada sugere transformá-lo em formiga. Eis que se abre para Octave uma vida com a qual ele jamais poderia sonhar. Por bem ou por mal, a experiência parece valer a pena. Após as experiências intensas de amor e poder, bem como os encontros com a formiga-filósofa, não ao acaso batizada por Octave de “Aristóteles”, sua vida não volta a ser a mesma.
O homem-formiga faz reflexões sobre o relacionamento afetivo, sexual e também sobre a violência, os combates e todos os vícios dos homens. Aliás, o uso do termo “homem”, se encaixa bem aqui, pois Ryner se mostra, como de hábito, bastante crítico quanto ao poderio de uma burguesia comandada por homens da espécie burguesa de Octave.
Han Ryner (1861-1938), cujo nome verdadeiro é Henri Ner, foi romancista e filósofo francês, nascido na Argélia. Intelectual anarquista, além de militante ativo, ele preconizava a vertente do anarquismo individualista, que reverberou no Brasil graças às traduções de Maria de Lacerda Moura. Ryner também foi um pioneiro da liberdade sexual e do que hoje se chama de poliamor.
Dessa maneira, além de ciência, filosofia, libido, pulsões em meio a combates entre hordas de formigas lutando pela sobrevivência, as questões de gênero — no âmbito sexual e taxonômico — permeiam essa narrativa provocadora tanto na atualidade quanto naquele mundo positivista que pretendia ver nos mecanismos dos animais ditos irracionais algo de distinto — inferior, na verdade, — à espécie humana.
Ordem ou desordem? Se hoje a formiga é considerada símbolo de ordem, frequentemente se esquece de que ela já foi símbolo de subversão, como Carpeggiani aponta. E aqui se condensa a essência do anarquismo individualista de Ryner. Esses temas, caros ao escritor que, além de romancista, foi filósofo e militante, são descritos com seu estilo peculiar, já conhecido pelos leitores de A Menina que não fui (1901), publicado em maio deste ano pela Ercolano. Em O homem-formiga, são transpostos a um contexto tão estranho quanto envolvente, talvez com a mesma violência da qual a humanidade insiste em desviar seu olhar. Para completar, percebe-se uma boa dose de cinismo que evoca outras metamorfoses mais antigas, cruéis e cômicas, como as de Ovídio e de Apuleio.
Com tradução assinada por Jorge Coli, que recria com cuidado e originalidade o estilo saboroso de Ryner, a edição conta a orelha, precisamente redigida por Oscar Nestarez, além de um prefácio de Schneider Carpeggiani, repleto de reflexões interessantes que vão do literário ao pop.
Nesta edição da Ercolano, o projeto gráfico conduz o leitor com fluidez através da narrativa de Ryner. A cada capítulo um “universo-formiga” em diálogo com o texto é originalmente criado, de modo que essa narrativa promete conquistar leitores desde o universo geek aos cientistas políticos, de biólogos e filósofos a literatos e poetas, do público jovem ao adulto.
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Ficha Técnica
Título: O homem-formiga
Autor: Han Ryner
Tradução: Jorge Coli
Prefácio: Schneider Carpeggiani
Projeto gráfico: Estúdio Margem
Formato: 13X19 cm
Número de páginas: 296 pp
Acabamento: brochura
ISBN: 978-65-999725-3-9
Preço: R$ 76,40
Data de livraria: 20/11/2023
Editora: Ercolano