Publicada em 1857, a novela Ássia é um dos exemplos mais acabados de seu talento. O enredo aparentemente singelo — em que um nobre russo viajando pela Alemanha faz amizade com um casal de irmãos, também russos, e se apaixona pela irmã mais nova, Ássia — traz, em uma camada mais profunda, uma discussão sobre as relações entre as elites do país e os servos emancipados. Ao mesmo tempo, o livro aborda o tema do “homem supérfluo”, já presente em outras obras deste autor que analisou, com agudeza ímpar, aquela geração de jovens da nobreza russa que tinha grandes ideais, mas era incapaz de colocá-los em prática.
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Samuel Junqueira, aponta na orelha do livro que Ássia ” foi escrita no segundo semestre de 1857 e publicada no primeiro número da revista O Contemporâneo do ano seguinte.” E que “nela, o russo N. N., em uma viagem que fazia pela Europa com o intuito de “ver esse mundo de Deus”, conhece às margens do Reno, na cidadezinha alemã de L. (Linz am Rhein), seus conterrâneos Gáguin e Ássia.” Por conta disso, de início se mostra um tanto refratário ao comportamento expansivo e inquieto da jovem, mas ao mesmo tempo se encanta com sua personalidade ingênua e não demora para se apaixonar por ela.
À primeira vista, o lirismo e a linguagem artística da obra — que Fátima Bianchi transpõe com maestria na presente tradução — são os elementos mais notórios dessa deliciosa novela, dado que o enredo aparenta ser simples em seu conteúdo, ainda que comovente. Mas, em Turguêniev, essa suposta despretensão disfarça uma denúncia categórica da própria natureza da sociedade russa. O escritor tinha uma impressionante capacidade de observar o ambiente social e revelá-lo artisticamente, apresentando algo que já se encontrava na sociedade, mas que a olhos mortais não se mostrava claramente em toda a sua configuração. O que lhe parecia ser óbvio, para outros se mostrava uma novidade, e das que suscitam espanto. E com Ássia não foi diferente, escreve Samuel.
Quem é Turguêniev, autor de Ássia?
Ivan Turguêniev nasceu em 1818, em Oriol, na Rússia. De família aristocrática, viveu até os nove anos na propriedade dos pais, Spásskoie, e em seguida estudou em Moscou e São Petersburgo. Em 1838, mudou-se para Berlim, onde frequentou cursos de filosofia, letras clássicas e história.
Em 1843, conheceu o grande crítico literário Bielínski. Influenciado por suas ideias, Turguêniev começou então a publicar contos inspirados pela estética da Escola Natural, depois reunidos em Memórias de um caçador (1852), coletânea que obteve enorme sucesso na Rússia e na Europa. Na época, conheceu a cantora de ópera Pauline Viardot, casada com o diretor de teatro Louis Viardot; mais tarde, mudou-se para a casa dos Viardot em Paris.
Durante sua permanência na França, tornou-se amigo de escritores como Flaubert e Zola. Nos anos 1850 escreveu diversas obras em prosa, entre elas Diário de um homem supérfluo (1850), Ássia (1858) e Ninho de fidalgos (1859). Lançou seu primeiro romance, Rúdin, em 1856. Em 1860 escreveu a novela Primeiro amor e, dois anos depois, publicou Pais e filhos (1862), romance considerado hoje um dos clássicos da literatura mundial. Abalado pela polêmica que a obra suscitou na Rússia — acusada de incitar o niilismo —, o autor se estabeleceu definitivamente na França.
Consagrado como um dos maiores escritores russos, ao lado de Dostoiévski e Tolstói, e autor de vasta obra que inclui teatro, poesia, contos e romances, Ivan Turguêniev faleceu na cidade de Bougival, próxima a Paris, em 1883.