Hoje usamos a palavra “feminicídio”, mas Annie Ernaux, com sua linguagem forte, seca, investiga a própria existência e uma “vergonha” após seu pai tentar matar sua mãe. “Meu pai tentou matar minha mãe num domingo de junho, no começo da tarde”, ela diz. Com a linguagem cortante e desprovida de sentimentalismos pela qual ficou conhecida, Annie Ernaux inicia mais um capítulo do seu projeto literário, dedicado a investigar a própria existência em sua dimensão social.
Ao se debruçar sobre um episódio de violência doméstica do pai contra a mãe quando tinha doze anos, a escritora põe em curso o doloroso processo de rememoração de uma experiência traumática, ao mesmo tempo que identifica nesse incidente a gênese de um sentimento que passaria a acompanhá-la para o resto da vida.
“Ernaux está entre os autores contemporâneos, não excessivamente numerosos, de quem li todos os livros. Está entre esses autores que sempre contam o mesmo, que é o que fazem os melhores.” — Emanuel Carrère
“Era normal sentir vergonha”, escreve Ernaux. O episódio de violência inaugura na escritora uma hiperconsciência de si e da própria família que, anos mais tarde, quando já reconhecida pelo sucesso de O lugar, destrincha neste livro ao reconstruir com precisão quase científica a vida na cidade de Y., bem como os usos e os costumes de sua classe social.
Leia também: Manuela d’Ávila indica 6 livros que todo mundo deveria conhecer (e ler)!
No esforço de situar o incidente que encerra sua infância no contexto da história mundial, Ernaux visita os arquivos da cidade de Rouen em busca das notícias de jornal de 1952, em uma cena que os leitores já iniciados em sua obra identificarão como embrionária de Os anos, considerado por muitos seu maior livro.
Annie Ernaux: A vergonha de que?
Como de costume, Ernaux entremeia a narrativa factual a reflexões sobre a escrita e o ato de traduzir em palavras um trauma que jamais ousara acessar. Marco importante de sua trajetória, é em A vergonha que pela primeira vez aparecem as indagações acerca da memória e da historicidade de nossas existências:
“Naturalmente não procuro fazer uma narrativa, pois ela produziria uma realidade em vez de buscar uma. […] Em suma, gostaria de ser etnóloga de mim mesma”.
Ao vasculhar a si e o passado familiar, Ernaux renova a linguagem do incômodo da inferioridade de classe, comovendo uma vez mais seus leitores com seus dizeres marcantes: “A vergonha se tornou, para mim, um modo de vida. No fim das contas, já nem percebia sua presença, ela estava em meu próprio corpo”.
Conheça os livros da autora aqui!
Sobre a autora
Annie Ernaux nasceu em 1940, em Lillebonne, na França. Estudou na Universidade de Rouen e foi professora do Centre National d’Enseignement par Correspondance por mais de trinta anos. Seus livros são considerados clássicos modernos na França. Em 2017, Ernaux recebeu o prêmio Marguerite Yourcenar pelo conjunto de sua obra.
Título: A vergonha
Título original: La honte
Autora: Annie Ernaux
Tradução: Marília Garcia
Capa: Bloco Gráfico
Formato: 13,5 X 20 cm
Número de páginas: 88
ISBN: 978-65-84568-50-1
Preço: R$ 54,90
ISBN e-book: 978-65-84568-25-9
Preço e-book: R$ 32,90
Lançamento: 20/9/2022
Editora: Fósforo