Os 10 melhores poemas de Wisława Szymborska

Wislawa Szymborska (1923- 2012) foi uma poetisa, crítica literária, ensaísta e tradutora polonesa. Nasceu no vilarejo polonês de Bninie hoje, parte de Kórnik, na Polônia. Mudou-se para Cracóvia aos 8 anos. Após a ocupação da Alemanha, em 1940, na Segunda Guerra Mundial, o acesso dos poloneses às escolas públicas foi restringido. Mesmo assim, ela continuou a estudar de forma clandestina e pode terminar os estudos.
Em 1945, ao fim da guerra, Wisława Szymborska estudou literatura e sociologia, mas não chegou a concluir em decorrência de problemas financeiros. No mesmo ano, estreou em um jornal denominado Dziennik Polski com um poema Szukam słowa (Buscando a palavra). Em seguida, outros poemas foram publicados em diferentes meios de comunicação.
Foi funcionária ferroviária e também trabalhou como secretária e editora de uma revista educativa, atuando como ilustradora. Em 1949, terminou sua primeira coleção de poemas. Num primeiro momento, aproximou-se da filosofia socialista e tornou-se membro do Partido dos Trabalhadores Poloneses, como a maioria dos intelectuais da época. Em 1954, sua segunda coletânea de poemas exaltou esse pensamento. Mas, na terceira coleção de poemas, publicada em 1957, revelou a desilusão e a insatisfação pela ideologia, transparecendo o desencantamento nos seus poemas. Após, decidiu abandonar o partido e rejeitou as suas duas primeiras obras.
A autora escreveu mais de quinze livros entre poesia e prosa e destacou-se como crítica e tradutora de poesia francesa. A partir de 1968, dirigiu sua própria coluna de crítica de livros denominada Lektury Nadobowiązkowe. Além do Prêmio Nobel de Literatura em 1996, aos 73 anos de idade, recebeu diversos outros, entre eles: o Prêmio do Ministério da Cultura da Polônia (1963), o Prêmio Goethe (1991), o Prêmio Herder (1995) e o Prêmio do Club PEN da Polônia (1996), entre outros. Foi reconhecida como Doutora Honorária em Letras pela Universidade Adam Mickiewicz de Poznan, em 1995, e em 2011, recebeu a ordem Orła Białego ou a ordem da Águia Branca, premiação mais alta dada ao cidadão pelo Governo da Polônia. Ao conquistar o Prêmio Nobel, ganhou notoriedade e tornou-se conhecida mundialmente. Com a sua vasta obra, traduzida em 36 línguas, sua escrita foi reconhecida pela Academia de Estocolmo como “uma poesia que, com precisão irônica, permite que o contexto histórico e biológico se manifeste em fragmentos da realidade humana”, sendo denominada como “o Mozart da poesia”.
No Brasil, Ana Cristina Cesar e Nelson Ascher traduziram alguns de seus poemas. A maior parte das traduções foi feita pela professora da Universidade Federal do Paraná, Regina Przybycien que, em 2011, a Companhia das Letras reuniu 44 textos e publicou Poemas, em edição bilíngue. E, em 2016, Um amor feliz, foi publicado com 85 poemas selecionados de seus livros a partir de 1957 até o ano de sua morte, em 2012.

 

No prefácio de um dos livros, Regina Przybycien descreve a temática de Szymborska:

“[…] o vasto leque de seus interesses, que abrange as ciências e a filosofia, o micro e o macrocosmo, a história antiga e contemporânea, assim como a vida cotidiana, na qual sempre consegue ver algo inusitado e assombroso. Temas sombrios em sua maioria, mitigados pelo humor e pela leveza da linguagem. Um olhar muitas vezes irônico para as tragédias do século, a fragilidade da vida, a indiferença do universo, a incomunicabilidade entre os homens e entre os humanos e as outras formas de vida. Formulação de perguntas que desestabilizam maneiras de ver o mundo, convicções arraigadas, certezas.”

Confira os poemas selecionados:

Nada duas vezes
Nada acontece duas vezes
nem acontecerá. Eis nossa sina.
Nascemos sem prática
e morremos sem rotina.

Mesmo sendo os piores alunos
na escola deste mundão,
nunca vamos repetir
nenhum inverno nem verão.

Nem um dia se repete,
não há duas noites iguais,
dois beijos não são idênticos,
nem dois olhares tais quais.

Ontem quando alguém falou
o teu nome junto a mim
foi como se pela janela aberta
caísse uma rosa do jardim.

Hoje que estamos juntos,
o nosso caso não medra.
Rosa? Como é uma rosa?
É uma flor ou é uma pedra?

Por que você tem, má hora,
que trazer consigo a incerteza?
Você vem – mas vai passar.
Você passa – eis a beleza.

Sorridentes, abraçados
tentaremos viver sem mágoa,
mesmo sendo diferentes
como duas gotas d’água.

Alguns gostam de poesia
Alguns –
ou seja nem todos.
Nem mesmo a maioria de todos, mas a minoria.
Sem contar a escola onde é obrigatório
e os próprios poetas
seriam talvez uns dois em mil.

Gostam –
mas também se gosta de canja de galinha,
gosta-se de galanteios e da cor azul,
gosta-se de um xale velho,
gosta-se de fazer o que se tem vontade
gosta-se de afagar um cão.

De poesia –
mas o que é isso, poesia.
Muita resposta vaga
já foi dada a essa pergunta.
Pois eu não sei e não sei e me agarro a isso
como a uma tábua de salvação.

A vida na hora
A vida na hora.
Cena sem ensaio.
Corpo sem medida.
Cabeça sem reflexão.
Não sei o papel que desempenho.
Só sei que é meu, impermutável.
De que trata a peça
devo adivinhar já em cena.
Despreparada para a honra de viver,
mal posso manter o ritmo que a peça impõe.
Improviso embora me repugne a improvisação.
Tropeço a cada passo no desconhecimento das coisas.
Meu jeito de ser cheira a província.
Meus instintos são amadorismo.
O pavor do palco, me explicando, é tanto mais humilhante.
As circunstâncias atenuantes me parecem cruéis.
Não dá para retirar as palavras e os reflexos,
inacabada a contagem das estrelas,
o caráter como o casaco às pressas abotoado –
eis os efeitos deploráveis desta urgência.
Se eu pudesse ao menos praticar uma quarta-feira antes
ou ao menos repetir uma quinta-feira outra vez!
Mas já se avizinha a sexta com um roteiro que não conheço.
Isso é justo – pergunto
(com a voz rouca
porque nem sequer me foi dado pigarrear nos bastidores).
É ilusório pensar que esta é só uma prova rápida
feita em acomodações provisórias. Não.
De pé em meio à cena vejo como é sólida.
Me impressiona a precisão de cada acessório.
O palco giratório já opera há muito tempo.
Acenderam-se até as mais longínquas nebulosas.
Ah, não tenho dúvida de que é uma estrela.
E o que quer que eu faça,
vai se transformar para sempre naquilo que fiz.

Ópera bufa
Primeiro passará o nosso amor,
depois cem, duzentos anos,
depois nos encontraremos de novo:

um casal de comediantes,
os favoritos do público,
vai nos representar no teatro.

Uma pequena farsa com canções,
um pouco de dança, muito riso,
uma boa comédia de costumes
e aplausos.

Você irresistivelmente cômico
nesse palco, com esse ciúme
e essa gravata.

Minha cabeça virada
Meu coração e coroa,
o coração tolo rebentando
e a coroa despencando.

Vamos nos encontrar,
afastar, a sala rindo sem parar,
e sete rios, sete montes
entre nós imaginar.

E como se não bastassem
os fracassos e as dores da vida
— nos feriremos com palavras.

Depois faremos mesuras
e com a farsa terminada,
o público irá dormir
depois de muita risada.

Eles vão viver contentes,
o amor vão amansar,
o tigre vai comer nas suas mãos.

E nós sempre assim desse jeito,
nós de barretes com guizos,
com seu tinido bárbaro
nos nossos ouvidos.

Autotomia
In memoriam Halina Poświatowska
Em perigo, a holotúria se divide em duas:
com uma metade se entrega à voracidade do mundo,
com a outra foge.
Desintegra-se violentamente em ruína e salvação,
em multa e prêmio, no que foi e no que será.
No meio do corpo da holotúria se abre um abismo
com duas margens subitamente estranhas.
Em uma margem a morte, na outra a vida.
Aqui o desespero, lá o alento.
Se existe uma balança, os pratos não oscilam.
Se existe justiça, é esta.
Morrer só o necessário, sem exceder a medida.
Regenerar quanto for preciso da parte que restou.
Também nós, é verdade, sabemos nos dividir.
Mas somente em corpo e sussurro interrompido.
Em corpo e poesia.
De um lado a garganta, do outro o riso,
leve, logo sufocado.
Aqui o coração pesado, lá non omnis moriar,
três palavrinhas apenas como três penas em voo.
O abismo não nos divide.
O abismo nos circunda.

Sonho de uma noite de verão
Já se acende o bosque de Ardenas.
Não se aproxime de mim.
Tola, tola,
me meti com o mundo.

Comi pão, bebi água,
o vento me envolveu, a chuva me molhou.
Por isso cuidado comigo. Vá-se embora.
E por isso cubra os olhos.

Vá-se embora, vá-se embora, mas não por terra.
Navegue, navegue, mas não por mar.
Voe, voe, meu caro,
mas não toque no ar.

Fitemo-nos de olhos fechados.
Falemo-nos com os lábios cerrados.
Abracemo-nos através de um largo muro.

Dupla pouco divertida esta:
em vez de lua, brilha a floresta
e um forte vento, ó Píramo, inflama
o manto radiativo da tua dama.

Um amor feliz
Um amor feliz. Isso é normal,
isso é sério, isso é útil?
O que o mundo ganha com dois seres
que não veem o mundo?
Enaltecidos um para o outro sem nenhum mérito,
os primeiros quaisquer de milhões, mas convencidos
que assim devia ser — como prêmio de quê? De nada;
a luz cai de lugar nenhum —
por que justo nesses e não noutros?
Isso ofende a justiça? Sim.
Isso infringe os princípios cuidadosamente acumulados?
Derruba do cume a moral? Infringe e derruba, sim.
Observem estes felizardos:
se ao menos disfarçassem um pouco,
fingissem depressão, confortando assim os amigos!
Escutem como riem — é um insulto.
Em que língua falam — só entendi na aparência.
E esses seus rituais, cerimônias,
elaborados deveres recíprocos —
parece um complô contra a humanidade!
É difícil até imaginar onde se iria parar,
se seu exemplo fosse imitado.
Com que poderiam contar a religião, a poesia,
o que seria lembrado, o que, abandonado,
quem quereria ficar dentro do círculo?
Um amor feliz. Isso é necessário?
O tato e a razão nos mandam silenciar sobre ele
como sobre um escândalo das altas esferas da Vida.
Crianças perfeitas nascem sem sua ajuda.
Nunca conseguiria povoar a terra,
pois raramente acontece.
Os que não conhecem o amor feliz que afirmem
não existir em lugar nenhum um amor feliz.
Com essa crença lhes será mais fácil viver e morrer.
Sob uma estrela pequenina
Me desculpe o acaso por chamá-lo necessidade.
Me desculpe a necessidade se ainda assim me engano.
Que a felicidade não se ofenda por tomá-la como minha.
Que os mortos me perdoem por luzirem fracamente na memória.
Me desculpe o tempo pelo tanto de mundo ignorado por segundo.
Me desculpe o amor antigo por sentir o novo como primeiro.
Me perdoem, guerras distantes, por trazer flores para casa.
Me perdoem, feridas abertas, por espetar o dedo.
Me desculpem os que clamam das profundezas pelo disco de minuetos.
Me desculpem a gente nas estações pelo sono das cinco da manhã.
Sinto muito, esperança açulada, se às vezes me rio.
Sinto muito, desertos, se não lhes levo uma colher de água.
E você, falcão, há anos o mesmo, na mesma gaiola,
fitando sem movimento sempre o mesmo ponto,
me absolva, mesmo se você for um pássaro empalhado.
Me desculpe a árvore cortada pelas quatro pernas da mesa.
Me desculpem as grandes perguntas pelas respostas pequenas.
Verdade, não me dê excessiva atenção.
Seriedade, me mostre magnanimidade.
Ature, segredo do ser, se eu puxo os fios das suas vestes.
Não me acuse, alma, por tê-la raramente.
Me desculpe tudo, por não estar em toda parte.
Me desculpem todos, por não saber ser cada um e cada uma.
Sei que, enquanto viver, nada me justifica
já que barro o caminho para mim mesma.
Não me julgues má, fala, por tomar emprestado palavras patéticas,
e depois me esforçar para fazê-las parecer leves.

As três palavras mais estranhas
Quando pronuncio a palavra Futuro,
a primeira sílaba já se perde no passado.

Quando pronuncio a palavra Silêncio,
suprimo-o.

Quando pronuncio a palavra Nada,
crio algo que não cabe em nenhum não ser.

Ocaso do século
Era para ter sido melhor que os outros o nosso século XX.
Agora já não tem mais jeito,
os anos estão contados,
os passos vacilantes,
a respiração curta.
Coisas demais aconteceram,
que não eram para acontecer,
e o que era para ter sido
não foi.
Era para se chegar à primavera
e à felicidade, entre outras coisas.
Era para o medo deixar os vales e as montanhas.
Era para a verdade atingir o objetivo
mais depressa que a mentira.
Era para já não mais ocorrerem
algumas desgraças:
a guerra por exemplo,
e a fome e assim por diante.
Era para ter sido levada sério
a fraqueza dos indefesos,
a confiança e similares.
Quem quis se alegrar com o mundo
depara com uma tarefa
de execução impossível.
A burrice não é cômica.
A sabedoria não é alegre.
A esperança
já não é aquela bela jovem
et cetera, infelizmente.
Era para Deus finalmente crer no homem
bom e forte
mas bom e forte
são ainda duas pessoas.
Como viver — me perguntou alguém numa carta,
a quem eu pretendia fazer
a mesma pergunta.
De novo e como sempre,
como se vê acima,
não há perguntas mais urgentes
do que as perguntas ingênuas.

Fontes:
Templo Cultural Delfos
A mente é maravilhosa
Revista Piauí
Contioutra

 

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